Debara Nydrle, em foto da época que serviu na Marinha Australiana: "Há uma cultura de proteção dos abusadores e as vítimas são forçadas ao silêncio"
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Recrutado para a Marinha aos 13 anos de idade, logo após a Segunda Guerra Mundial, o garoto esperava defender a Austrália contra os inimigos externos. Não podia imaginar que teria que se proteger na própria trincheira. Hoje, com pouco mais de 70 anos, ele ainda lembra os detalhes da violência sexual. Era início dos anos 50 quando o jovem foi cercado por um grupo de militares, numa sala do quartel. “Fui agarrado por três ou quatro cadetes, talvez tenham sido mais, que me seguraram, me forçaram a me curvar e enfiaram um bastão de madeira coberto de mel dentro do meu ânus. Eles estavam cantando”, conta.
A história do marinheiro australiano faz parte de um relatório, elaborado por um escritório de advocacia a pedido do Ministério da Defesa da Austrália. O documento, que relata cerca de 750 casos de abuso sexual nas Forças Armadas, obrigou o governo a pedir desculpas às vítimas e a criar uma força-tarefa para investigar os casos. Os trabalhos, que estão na fase inicial, têm o objetivo de determinar culpados e estabelecer indenizações.
A compensação financeira pode chegar a AU$ 50 mil (mais de R$ 110 mil), mas o dinheiro não vai apagar o trauma. “Eles inseriram um cabo de vassoura no meu ânus em diversas ocasiões e eu também fui forçado a beber o sêmem de outros recrutas”, recorda outra vítima, com 15 anos de idade na década de 70. A violência acontecia em cerimônias de iniciação e durante as atividades de rotina. “(Os colegas) lavavam os jovens soldados com esfregões de aço durante o banho e, depois, frequentemente, passavam graxa dos cuturnos nos seus genitais e ânus”, afirma o relatório.
Aos 40 anos, Debara Nydrle não acredita que as investigações possam mudar a realidade de abusos nas Forças Armadas. “Há uma cultura de proteção dos abusadores e as vítimas são forçadas ao silêncio”, diz. Aos 21 anos de idade, quatro anos depois de ingressar na Marinha, ela foi estuprada por um colega. Ela estava dormindo quando o homem chegou bêbado, deitou sobre seu corpo e forçou a relação sexual. “No outro dia, ele apenas pediu desculpas e disse que achou que eu não fosse me incomodar”, lamenta.
A vida nunca mais foi a mesma depois disso. Debara começou a beber e a usar drogas, ganhou peso e pensou em se matar. “Pulei na frente de um ônibus porque já não me importava mais viver ou morrer”, contou. Ela deixou a Marinha três anos depois, mas não conseguiu trabalhar em outro lugar. Casou e teve dois filhos, que sofreram com o trauma da mãe. “Eu sempre fui triste, brava, gritava com meu marido e com as crianças e nem sabia por que agia daquela forma”, explica a vítima, que hoje vive à base de terapia e medicação.
Remédios e consultas psiquiátricas também fazem parte da vida de Albert Norley, outra vítima de abuso nas Forças Armadas australianas. Cinco décadas depois, ele ainda lembra dos detalhes do espancamento, ocorrido quando tinha somente 17 anos. “Estava em pé no quarto pegando uma toalha para o banho quando fui atingido por trás. Caí e começaram a me chutar e bater com minha cabeça no chão e na guarda da cama. Fiquei sangrando, sozinho, e não recebi nenhum tratamento médico apropriado”, afirma. A tortura física e psicológica continuou, até que ele tomou uma overdose de antidepressivos. Queria apenas morrer.
Chorando muito, Norley fala das consequências para sua família. “Nunca consegui passar férias com minha esposa e meus filhos. Eles iam e eu ficava em casa, porque era ali que eu me sentia mais protegido. Não vou mais recuperar esse tempo que passou”, ressalta. Para ele, o pedido de desculpas do governo ou a possibilidade de indenização não tem importância. “As Forças Armadas precisam proteger seus integrantes e punir os criminosos. Essas pessoas deveriam ser presas”, argumenta.
A punição dos culpados é uma das demandas do advogado Brian Briggs, que defende quase uma centena de vítimas. “Os abusadores têm que ser identificados e criminalmente processados. Se ainda estiverem atuando, devem ser desligados das Forças Armadas”, declara. Briggs está confiante nos resultados da força-tarefa. “Espero que sejam imparciais e que reconheçam os direitos das vítimas sem tanta papelada e burocracia, porque essas pessoas já sofreram muito”, avalia. O advogado acrescenta, ainda, que a cultura militar precisa mudar. “Com o argumento de fortalecer uma pessoa, eles destroem seu emocional. Alguns militares passam de todos os limites”, conclui.
O Ministro da Defesa da Austrália, Stephen Smith, garantiu que o grupo de trabalho vai atuar de forma independente, analisando individualmente cada um dos processos. Assegurou, também, que os crimes serão denunciados à polícia, quando apropriado. Segundo o ministro, a cultura vai mudar. “Deve haver tolerância zero para mau comportamento e tolerância zero com os militares que acobertam as denúncias dentro das Forças Armadas”, declarou.
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