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domingo, 22 de maio de 2011

Vida nova após os 40

13/12/2010 - 15:12 - ATUALIZADO EM 25/08/2010 - 19:23
Vida nova após os 40

Cresce o número de mulheres que procuram técnicas avançadas para engravidar às vésperas da menopausa. Com a ajuda da ciência, elas protagonizam novo fenômeno de comportamento: a gestação tardia
JOÃO LUIZ VIEIRA E EDUARDO JUNQUEIRA
Dizem que o poder é afrodisíaco, mas faltava alguém provar. Com 19 anos de casamento, três filhos e duas carreiras de sucesso, o primeiro-ministro inglês, Tony Blair, e sua mulher, Cherie, tiveram um inesperado momento de inspiração. O resultado da iniciativa deve nascer no final de maio. A mãe estará com quase 46 anos de idade. O pai terá 47. Acusado de manipular a opinião pública, como poucos políticos europeus sabem fazer, Blair parecia sincero ao reiterar, há duas semanas, que a gravidez não fora planejada. "Fiquei sem palavras quando soube", disse. É um dos homens mais ocupados do mundo. Cherie destaca-se como advogada bem-sucedida. Com a divulgação da notícia, a Inglaterra mergulhou em questões de Estado. Onde as respectivas agendas teriam se cruzado, propiciando a boa nova?

A primeira suspeita caiu sobre uma aprazível vila na Toscana, na Itália, onde o casal iniciou as férias de verão, em agosto. Depois, veio a tese de que o bebê fora concebido numa curta temporada no vilarejo de St. Martin d'Oney, interior da França. O próprio Blair veio em salvação da honra britânica. Em entrevista à BBC, disse que os fugazes momentos de férias com Cherie - sem os filhos de 11, 13 e 15 anos de idade - passaram-se no castelo real de Balmoral, na Escócia. "E foram momentos muito felizes", acrescentou. Made in Britain soa melhor aos ouvidos locais do que made in France ou Italy. De qualquer maneira, a rainha Elizabeth foi uma das primeiras pessoas a saber da chegada de mais um súdito do reino.

Além de provocar divertidos debates, a gravidez de Cherie Blair virou a nação de cabeça para baixo. A notícia de que a casa de número 10 da Downing Street - endereço da residência oficial do primeiro-ministro - será ocupada por berços e chocalhos deixou os ingleses em polvorosa. Eles sabem que, há mais de 150 anos, nenhum premiê tornou-se pai no exercício do poder. O motivo do espanto, porém, foi outro: os 45 anos de Cherie desafiam a fleuma britânica. Por causa da idade da futura mamãe, jornais destacaram a tendência demográfica: a idade média para mulheres terem o primeiro filho, no Reino Unido, já passou dos 30. E avança rapidamente para a casa dos 40. Cherie, uma profissional que ganha bem mais do que os US$ 200 mil anuais do marido, acabou agregando outro item ao currículo: tornou-se, da noite para o dia, símbolo da gestante em idade madura. O fenômeno propaga-se pelo mundo.

No Brasil, a gravidez tardia de maior evidência é a da apresentadora paulista Silvia Poppovic, 44 anos. Como se fosse personagem de um de seus programas, ela se enquadra perfeitamente no tema. Durante anos, Silvia concentrou esforços em dois pontos: aproveitar a vida e investir na carreira. Morou no Exterior, namorou muito e tornou-se um dos rostos mais conhecidos da televisão brasileira. Quando ultrapassou os 40 anos, viu-se vítima de surtos de maternidade. "No ano passado estive num resort no Havaí com meu namorado. De repente, pensei que no ano seguinte poderia estar no mesmo lugar, fazendo a mesma coisa. Achei que era uma vida vazia. E me deu uma crise de choro", conta. O namorado, o endocrinologista paulista Marcello Bronstein, dez anos mais velho e pai de três filhas, resistiu à idéia no início. Mas, na volta ao Brasil, topou ir a um médico.

O casal procurou por Paulo Serafini, um dos diretores da clínica Huntington Centro de Medicina Reprodutiva, em São Paulo. Estudioso da reprodução humana há 20 anos, Serafini divide-se entre suas clientes da clínica paulista e as de outra em New Haven, nos Estados Unidos. O tratamento de Silvia durou seis meses. Como acontece na maioria dos casos, ela precisou pôr a prova a vontade de ser mãe. Ao todo, foram quatro tentativas com inseminação artificial e duas com fertilização in vitro. Em julho engravidou. Durante 12 semanas, acompanhou o desenvolvimento do feto com apreensão. Havia o risco de perder a criança. No terceiro mês, recebeu o sinal verde para comemorar. Silvia espera uma menina, que deverá nascer em abril. A apresentadora já está diminuindo o ritmo de trabalho. Mesmo às voltas com os primeiros sinais de sono diurno e com inchaço nos pés, ela encontra entusiasmo para mudar de apartamento. Quer ter mais espaço para mobiliar o quarto da filha. As súbitas transformações de rotina estão longe de assustá-la. Silvia está tranqüila, bonita e radiante em seu sorriso de mãe de primeira viagem. "Engravidar é uma experiência estimulante e rejuvenescedora", delicia-se.

Por ter grande visibilidade, histórias como a de Cherie Blair e Silvia Poppovic costumam deixar eriçadas as mulheres que estão na fila da gravidez tardia. "Represento esperança para elas, provo que a gente pode recomeçar a vida a qualquer tempo", reconhece a apresentadora. É verdade. Depois que ela anunciou a chegada do bebê, a procura pela clínica de Serafini foi à estratosfera. "Nossa clientela com mais de 40 anos aumentou 150%", diz o médico.

Os reflexos da simples divulgação de uma história bem-sucedida também apontam para uma mudança de comportamento. O número de brasileiras acima dos 40 que se preparam para ser mãe já salta aos olhos. Há cinco anos, as gestações tardias representavam 20% da clientela da Huntington. Hoje - e antes mesmo de Silvia - chegam a 45%. Em todo o Brasil, há 150 centros de reprodução humana em funcionamento. Em todos eles, o número de mães quarentonas aumenta. No maior de todos, comandado pelo médico Roger Abdelmassih, em São Paulo, o índice de atendimento nessa faixa etária pulou de 5% para 18%.

Explica-se o crescimento das gestações tardias com um pé na sociologia e outro na ciência. De um lado, estão mulheres mais liberadas, independentes e dispostas a adiar a maternidade por conta de planos pessoais. De outro, há uma conjunção de descobertas científicas que, aos poucos, vão se popularizando. Os especialistas destacam três grandes revoluções na medicina reprodutiva. A primeira veio com o nascimento do bebê de proveta, há 21 anos. Anos depois, chegou-se à técnica que retira espermatozóides do testículo do homem vasectomizado. A terceira revolução, ainda em estudo, congela os tecidos do ovário na tentativa de chegar à produção induzida de óvulos. Há também os métodos encobertos por polêmicas. No Brasil, clínicas já manipulam células. Ao juntar qualidades do óvulo da mulher mais velha às do óvulo da mulher mais jovem, os médicos potencializam o sucesso da fertilização. Entretanto, sobram dúvidas sobre a identidade genética do futuro bebê.

Nesse estranho mundo de variedades tecnológicas, oferecidas como mercadorias no balcão da reprodução humana, nem mesmo os antigos limites biológicos da menopausa são barreira para quem quer ter filhos. Na Itália, há registro de mulheres que engravidaram aos 60 anos por meio de doação de óvulos. Um dos casos mais conhecidos é o de Rossana Dalla Corte. Aos 62, ela deu à luz um menino graças às técnicas do médico romano Severino Antinori. Responsável pelo nascimento de dezenas de bebês de mães em menopausa, Antinori é acusado de abusar dos hormônios para revitalizar o útero das clientes. Por causa desse bombardeio, as experiências com mulheres na menopausa devem terminar. Ao menos oficialmente. Uma lei aprovada há cinco meses pelo Parlamento italiano limita as tentativas. Apenas as mulheres em idade fértil - e só até os 51 anos - poderão ter acesso à inseminação artificial. "Depois dessa idade, a saúde da gestante não pode ser completamente garantida", disse a Época o ginecologista Carlo Flamigni, presidente da Sociedade Italiana de Fertilidade e Esterilidade.

No Brasil, a gravidez tardia se alastra mais entre as mulheres na casa dos 40. Em geral, elas recorrem a técnicas mais simples, como o uso de hormônios para estimular a ovulação. Foi o que fez a ex-modelo Estela Curti, de 40. Envolvida com a carreira e satisfeita com um namoro de 12 anos, sem filhos, Estela chegou a desdenhar da possibilidade de tornar-se mãe. Nutriu os temores clássicos das mulheres determinadas a vencer na vida. Tinha medo de perder a liberdade, de estragar o corpo e da responsabilidade de ser mãe. Há três anos casou-se, mudou de idéia e resolveu engravidar. Não conseguia. "Eu me senti a pior das criaturas, uma incapaz." Estela engordou 20 quilos, presa de uma terrível depressão. Ao investigar o caso, os médicos descobriram uma trompa que não funcionava, além de taxas hormonais baixas. Provocaram a ovulação, e Estela engravidou. Um mês depois, no entanto, perdeu o embrião. Na segunda tentativa, voltou a tomar hormônios. Desta vez, conseguiu. Está no sexto mês de gravidez.

Ao resolver ser mãe às portas da menopausa, a candidata precisa mesmo estar preparada para muitos percalços. Um deles pesa no bolso. Um tratamento de reprodução assistida custa entre R$ 5 mil e R$ 14 mil. Por tentativa. Além disso, muitos planos de saúde não cobrem esterilidade conjugal. Alguns até se negam a fazer parto de mulheres que passaram por fertilização in vitro. Para não perder a clientela, os médicos usam a criatividade. É comum negociar descontos na segunda tentativa ou mesmo realizar parcerias entre doadora e receptora. Esta, a principal interessada, chega a pagar o tratamento de uma doadora fértil que não consegue engravidar - como no caso de mulheres que ligaram as trompas. Em recompensa, recebe óvulos sadios. O Conselho Federal de Medicina proíbe a venda de óvulos, mas aprova esse procedimento, chamado de simbiótico. "Quando uma mulher quer ser mãe, dinheiro não é problema", argumenta a cantora Gretchen, 41 anos. Ela planeja o quinto filho para o ano que vem. Como já fez laqueadura, deverá optar pela inseminação artificial. "Adoro engravidar, amamentar, repassar o que sei", justifica.

É preciso também estar preparada para o fracasso. "O sucesso de alguns métodos não passa de 30%", avalia o médico Nelson Antunes Jr., especialista do Hospital Albert Einstein. "Temos limitações incontornáveis, e a idade é uma delas." Mulheres entre 20 e 29 anos estão no ápice da capacidade reprodutiva. Em geral, ovulam nove vezes por ano e praticamente todos os óvulos são sadios. Isso lhes dá cerca de 22% de chance de engravidar a cada relação sexual. A probabilidade cai com o passar do tempo, tornando-se quase nula às vésperas da menopausa, quando os ovários cessam para sempre sua produção (leia quadros). A partir de então, a gravidez só é viável com a utilização de óvulo de uma doadora e com a ingestão de hormônios até o terceiro mês de gestação.

As conquistas tecnológicas foram longe, mas ainda não conseguem reproduzir a vitalidade das mulheres jovens. As que ultrapassam a fronteira dos 40 anos têm mais chances de sofrer doenças associadas à gravidez, como diabetes e hipertensão. Também correm o risco de hemorragias graves após o parto. Doenças cromossômicas podem se manifestar no feto. O risco de a criança ser portadora de síndrome de Down, por exemplo, cresce 20 vezes quando a gestante tem mais de 40. Isso ocorre porque a qualidade dos óvulos diminui à medida que a idade avança.

A bancária paulista Ana Maria Domingos Marin, 41 anos, acaba de dar à luz Gabriel, seu segundo filho. Não foi uma gravidez tranqüila. Ela sofreu de diabetes gestacional e teve dupla lesão em uma válvula do coração. Os médicos suspeitam que a gravidez sobrecarregou o órgão e não sabem se o dano é reversível. Ana fez repouso nas semanas que antecederam o parto, entretanto os problemas continuaram. Depois da cesariana, Gabriel foi transferido para a UTI. Pesava 5 quilos e 150 gramas, sofria de hipoglicemia e deficiência cardíaca. Ainda não há previsão de que o bebê deixe o hospital. "Foi bom ter filho após os 40 anos, mas prefiro encerrar a produção", admite Ana Maria.

Discutir se é válido encarar o risco da gestação tardia é um daqueles temas debitados na conta dos assuntos pessoais. Para a carioca Carmosina Nogueira Rodrigues, 49 anos, a reprodução assistida foi a chance de reparar uma tragédia familiar. Professora aposentada, ela perdeu uma filha de 21 anos, morta em acidente de carro. Restou-lhe o trauma. "Minha vida tinha perdido o sentido", lembra. Passados alguns meses, decidiu ter outro filho. Ainda menstruava aos 47, mas fizera ligadura de trompas havia 12 anos. Moradora de Campos, no interior do Rio, Carmosina passou a viajar com freqüência a Campinas para se submeter a consultas com o ginecologista Daniel Faúndes, especialista da área. Bastou-lhe um processo de inseminação simples. Os médicos retiraram seis óvulos dos ovários. Desses, cinco foram fecundados e posteriormente implantados no útero. Dois vingaram. Depois de sete meses e dez dias de gestação, Carmosina teve dois rebentos, Davi e Daniel, ambos pesando cerca de 2 quilos. Os gêmeos passaram 20 dias na UTI e foram para casa. Hoje têm 9 meses e estão plenamente saudáveis. "Esta gravidez foi um milagre na minha vida", avalia Carmosina. Mais forte do que a ciência, a vontade de ser mãe ainda é o principal argumento contra as leis da natureza. A relações-públicas Marimar Chimenes Gil, 43 anos, não precisou de tratamento. Engravidou naturalmente. Dispensou até mesmo a realização dos exames para verificar eventuais alterações cromossômicas no embrião. "Eu quero ter minha filha, seja como for. Não faria aborto nem se ela fosse portadora de uma síndrome grave", assume.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI166142-15228,00.html