Se a espécie humana tivesse sobrevivido aos últimos 30 mil anos sem se vestir (ou se, em dado momento, uma revolução cultural tivesse abolido esse hábito), ela ocuparia uma faixa bem menor do planeta. A população ficaria concentrada nas áreas urbanas de cidades de clima ameno, como São Paulo. Circular ao ar livre em lugares muito frios seria impossível. Se a temperatura do corpo ficar abaixo de 32ºC, algumas enzimas essenciais param de funcionar – e os órgãos que dependem delas também. Até o seu raciocínio fica mais lento. Se a temperatura sobe demais, ocorre o mesmo. “Não aguentamos variações acima de 5ºC na temperatura interna do corpo, que fica perto de 36,5ºC”, diz o biólogo José Eduardo Wilken.
No verão, livrar-se das roupas será um alívio, mas exigirá cuidado com a radiação solar, já que elas funcionam como um bloqueador eficaz (o fator de proteção solar varia segundo o tecido, a trama e a cor. Uma camiseta clara de algodão tem FPS perto de 15. Roupas com tratamento especial têm FPS 50 ou mais). Entre os brasileiros, o câncer de pele é o mais comum – sem roupa, dá-lhe protetor e ruas vazias entre 10h e 16h, quando a radiação é mais forte (recomendação manjada, aliás, e muito ignorada).
As cidades estariam preparadas para uma multidão de pelados (e descalços). O chão de espaços públicos seria revestido com pisos confortáveis. Dividir assento com desconhecidos não seria problema: os bancos teriam proteções descartáveis ou você traria seu próprio tapetinho para evitar a proliferação de doenças, especialmente as transmissíveis pelo contato indireto dos genitais, como sífilis e HPV.
Sem roupas, não haveria o constrangimento da nudez, e o conceito de privacidade associada ao corpo seria diferente. Para o psicólogo Oswaldo Rodrigues, nossa tendência seria resistir menos aos impulsos sexuais. Isso não significa fazer mais sexo e, sim, tratar com naturalidade padrões diferentes de comportamento que envolvem intimidade, como transar em público. Outros códigos de conduta não mudariam tanto. “As roupas reúnem as pessoas em grupos”, diz o sociólogo Alexandre Bergamo. Elas traduzem tipos de trabalho, status etc. E são referências inerentes à vida em sociedade. Ou seja: você aposentou o terno, mas teve de tatuar ou usar no pulso algo parecido.
Fontes Sergio Cravo, fisiologista/UNIFESP; Oswaldo Rodrigues, psicólogo/Instituto Paulista de Sexualidade; Alexandre Bergamo, sociólogo/UFSC; Jean Carlos de Matos, ginecologista/HCPA; Marcos Cyrillo, infectologista/SBI e José Eduardo Pereira Wilken Bicudo, biólogo/USP.
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