Entrevista
O psicoterapeuta Stanley Siegel, consagrado especialista americano, defende que sentimentos dolorosos podem ser transformados em fontes de prazer - erotizando-os. LEIA A SUA ENTREVISTA À VISÃO
Clara Soares
11:06 Domingo, 8 de Janeiro de 2012
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Psicoterapeuta de celebridades e colunista da revista Psychology Today, Stanley Siegel acaba de lançar, em conjunto com a filha, o livro Your Brain on Sex, onde explica como o "sexo inteligente" pode mudar a nossa vida. Aos 62 anos, o especialista, também conhecido por assumir a sua homossexualidade e não abdicar de uma visão liberal da intimidade, defende que o sexo e o erotismo podem ser uma terapia, até para os maiores traumas, e um motor de liberdade e expansão pessoal.
O que é o prazer inteligente?
É compreender os nossos desejos sexuais e o que significam na nossa vida psicológica. Se usarmos estes desejos para nos guiarem na escolha de parceiros sexualmente compatíveis, podemos curar conflitos passados e satisfazer as nossas necessidades.
De que forma?
É um processo por etapas. Primeiro, há que imergir no espírito de descoberta, sem juízos de certo ou errado. Depois, identificar os nossos desejos e fantasias, em torno de um tema, uma história com ligação ao nosso passado. Podem, até, ser de dominação e submissão.
E porque é isso relevante?
Cada encontro sexual pressupõe uma escolha e uma história, com fantasias que remetem para temas centrais da nossa vida. Por exemplo: quem se imagina a ser humilhado e a fazer coisas vergonhosas viveu, no seu passado familiar, uma experiência traumática. E a forma de lidar com isso pode ser erotizar essa experiência dolorosa, através da sexualidade, convertendo esse conflito numa fonte de prazer.
Como no filme de Cronenberg, sobre Freud, Jung e a paciente Sabine, que se excitava com a ideia de ser batida...
A base da histeria dela era um pai dominador, que a castigava fisicamente. Ela erotizou essa dor e, já adulta, tinha fantasias de ser batida pelo parceiro sexual, transformando isso numa coisa agradável.
Como se ultrapassa esse conflito, inicialmente erotizado?
Honrar tais fantasias sem reprimi-las é o primeiro passo; concretizá-las com alguém de confiança, para ver até onde nos levam, seguindo-se o processo de cura.
Mas a generalidade dos terapeutas acha que concretizar fantasias é contraproducente e perigoso...
Sim, é verdade. Muitas escolas defendem que este é um método perigoso, que as fantasias devem ser vividas no plano puramente mental, simbólico. Contraponho que, quanto mais silenciosas estiverem, mais tomarão conta de nós. As fantasias não morrem, mas mudam, podem ser transformadas. Se postas em prática, o seu poder diminui, porque pensamos menos nelas.
E pode ficar-se viciado?
Há casos em que isso acontece. Mas é quem reprime o sexo que tem mais propensão para ficar dependente. Agir as fantasias implica superar a vergonha e o medo. Nessa perspetiva, é libertador e reparador.
O que entende por sexo reparador?
Se compreendermos as nossas fantasias e as concretizarmos num ambiente seguro, podemos falar abertamente sobre o assunto com o parceiro, e perceber que o que nos excita baseia-se, quase sempre, num conflito relacional. Só isso pode ser redentor e ajudar-nos a ultrapassar os conflitos em causa.
É esse o prazer inteligente de que fala?
Sim. A sexualidade não é para ser vivida ao acaso. É importante ter consciência do que as experiências sexuais nos evocam, da sua intencionalidade oculta, no plano emocional. Quando estamos profundamente ligados a alguém, expressamo-nos de modo autêntico, da forma como realmente somos, além da dimensão física.
O sadomasoquismo, o swing e o poliamor são práticas recomendáveis?
Começaram por ser movimentos indiferenciados de libertação, numa altura em que o sexo era silenciado. No caso das mulheres, libertaram-nas da vergonha e da culpa, por terem prazer. Hoje, o sexo casual é um direito, também para elas. E os movimentos libertários converteram-se em estilos de vida.
É sustentável viver com alguém sem ter sexo?
Se a escolha do parceiro for feita em função de interesses comuns, como salário, educação, religião e estatuto socioeconómico, pode funcionar - mas nada tem a ver com sexo inteligente. Ele fica em segundo plano, desde o início, e não admira que a situação se torne chata, logo após um ou dois anos de casamento.
E quanto à falta de compatibilidade e diferenças de registo sexual no casal?
Há várias opções possíveis; costumo negociar com os casais qual a via mais adequada. Uns decidem suspender o sexo nas suas vidas. Outros optam por satisfazer as necessidades do(a) parceiro(a), abdicando das próprias. E há os que não concebem nenhuma destas possibilidades e preferem terminar o relacionamento. Por fim, existe quem entenda que a decisão razoável é manter um casamento aberto, com respeito pelo parceiro que escolheu para viver em comum.
A orientação sexual pesa, nestas escolhas?
Sim. Os homens, mais do que as mulheres, têm a vida mais facilitada, porque sempre entenderam a finalidade recreativa do sexo. Até recentemente, se elas faziam o mesmo, eram chamadas prostitutas ou promíscuas. Mas as mais jovens já se sentem com outro à vontade para negociar a sexualidade dentro da relação.
Os assexuais existem, ou trata-se de uma abstração?
Estou convencido de que os europeus são mais descontraídos do que os americanos. Nós sempre vivemos mergulhados numa onda de puritanismo; basta pensar que os EUA foram fundados por peregrinos. Admito que o movimento assexual seja uma reação à visibilidade e aceitação das diferentes expressões da sexualidade - o sexo casual, a homossexualidade, os estilos de vida ditos alternativos. Assiste-se a uma espécie de retrocesso ou movimento oposto, em defesa de valores religiosos.
Como reage ao rótulo "terapeuta das celebridades e que também é gay"?
Não considero que seja problemático, uma vez que, do ponto de vista clínico, até pode representar uma vantagem. Os homossexuais tiveram, desde cedo, de conviver com a falta de aceitação, sem figuras de referência nem mapas orientadores. Tiveram de inventar as suas vidas e sobreviver, dependendo do seu próprio pensamento e da sua criatividade.
Como foi para si - e, já agora, para a sua filha - lidar com a sua saída do armário?
Revelei-me quando ela tinha 13 anos. Lidou precocemente com a ideia de que o pai tinha sexo. Decidi que não queria mais silenciar a minha sexualidade como o fizera antes. Desenvolvemos um diálogo aberto e livre, e, neste livro, em que ela, também terapeuta, participou, até descobrimos coisas novas acerca de cada um.
Quer falar sobre isso?
Temos diferentes pontos de vista, por exemplo, sobre a monogamia. Para mim, é uma escolha, tal como as relações abertas o são. A minha filha atribui mais importância à estabilidade num relacionamento, valorizando a exclusividade conjugal.
Como é viver em família com essas diferenças?
Ela vive em Portland, eu em Nova Iorque. Estamos afastados geograficamente, mas somos próximos e damo-nos muito bem. Em datas importantes, reunimo-nos todos - a minha ex-mulher, o meu neto e os meus antigos namorados, que também fazem parte da família.
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