segunda-feira, 2 de abril de 2012

Transexualidade: uma verdade incontestável


Jornal do Brasil

Breno Rosostolato

O transexualismo é uma realidade para muitas pessoas que buscam sua felicidade na mudança definitiva de sexo e identidade. É a contradição de uma imagem fictícia e uma verdade incontestável. Pessoas que apresentam um comprometimento emocional e insatisfação sexual por conta da incompatibilidade quanto “àquilo” que são de fato e o que o corpo apresenta. O que me chama a atenção é que a  transexualidade não é um fenômeno, porque não é extraordinário, mas uma constatação de que discutir sexualidade vai muito além do sexo. É compreender mais sobre a constituição de identidade do que, meramente, órgãos sexuais. O transexual prova que seu destino não é traçado na maternidade, me permita assim o poeta.
Conforme o CID-10 (classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados com a saúde), trata-se de um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Este desejo é reprimido por conta de um sentimento de mal-estar ou de insatisfação em relação aos próprios genitais, envergonha-se evitando tocá-los. As frustrações no ato sexual são inevitáveis. De fato, os comprometimentos emocionais por conta desta confusão na identidade de gênero pode levar a um embotamento afetivo, a um isolamento social e a uma condição cada vez mais marginalizada. A identidade de gênero é a maneira como a pessoa se sente, se identifica e se apresenta para si e para os outros e independe do sexo biológico. O conflito do transexual é não se sentir completamente uma mulher porque o corpo masculino não corresponde à subjetividade feminina ou vice-versa.
Existem ainda algumas variações sexuais que num primeiro momento podem confundir-se com o transexualismo: o travestismo e o crossdresser. No travestismoas pessoas se vestem como o sexo oposto e possui um ingrediente prazeroso em sentir-se como tal. O crossdresser é parecido com o travestismo, mas não implica, necessariamente, na orientação homossexual. Caso mais conhecido é o cartunista Laerte, exemplo de crossdresser.
A questão é que sentir-se masculino ou feminino difere de sentir-se homem ou mulher, até porque estas últimas classificações são estereotipadas e reforçam a dicotomia social. O que determina a existência de uma pessoa é identificar-se com seus desejos, encontrar-se com as próprias referências e assumi-las, ou seja, masculino ou feminino.
No caso dos transexuais admite-se a diferença sexual alicerçada pela identidade de gênero. Logo, ter um pênis ou uma vagina pode ser uma exigência pessoal. É então que a cirurgia de redesignação de sexo ou transgenitalização é o caminho mais provável e, na maioria dos casos, providencial. No Brasil, desde 1997 este procedimento é gratuito. Mas é bom salientar que cada caso é estudado com muito cuidado e adotando todos os critérios possíveis e necessários, principalmente no que diz respeito à psicoterapia e aos requisitos médicos.
Depois de confirmado o diagnóstico de transexualismo, uma vez que a pessoa pode apresentar outros transtornos de personalidade concomitantes, iniciam-se os procedimentos fundamentais para a cirurgia. Hormonioterapia ajuda o indivíduo, aos poucos, a renunciar às características sexuais contrárias de sua real identidade sexual. No caso do transexual homem para mulher, hormônios antiendrogênios que promovem um atenuamento na voz e na pele, aumento de gordura e crescimento de mamas, e eliminam pelos através da eletrólise, uma depilação definitiva. Quanto à cirurgia, são retirados os testículos e o pênis (penectomia). A vaginoplastia aproveita os tecidos internos e constitui uma neovagina. Ainda, o nariz é afinado e o pomo de adão retirado.
No transexual mulher para homem são administrados hormônios androgênios que promovem crescimento dos pelos, engrossamento da voz e ganho de massa muscular, e na cirurgia é feito o procedimento de mastectomia (retirada das mamas); histerectomia (retirada do útero) e oforectomia (retirada dos ovários). A faloplastia consiste em enxertos feitos para constituir um neofalo e, com ajuda de uma prótese, deixá-lo ereto.
O impacto é grande na vida das pessoas que se submetem a estes procedimentos e, ainda assim, mesmo depois de todo este sacrifício, deve-se superar uma etapa não menos dolorosa: o preconceito. O transexual ainda possui muita dificuldade em se relacionar com alguém que compreenda o conflito vivido e a nova existência. No entanto, a sociedade deve acolher estas pessoas que desmistificam os determinismos genéticos, quebram estereótipos e classificações sociais, e provam que a identidade sexual não é uma característica secundária. Para o transexual, entre ser ou não ser, felicidade rima com reconhecimento e aceitação. 
Breno Rosostolato é professor de Psicologia da Faculdade Santa Marcelina (São Paulo)

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