Mulheres assumem que gostam de ficar com gays
por Uol
(02/02/2011 11:21)
Volta e meia o universo da ficção flerta com as nuances do relacionamento
Céu (Deborah Secco) e Orlandinho (Iran Malfitano) na novela global "A Favorita"
entre mulheres e seus amigos gays. Em uma de suas (infrutíferas) tentativas de construir uma carreira de sucesso no cinema, Madonna estrelou em 2000 o filme “Sobrou pra Você”, em que, após uma bebedeira, sua personagem engravidava do charmoso Ruper Everett – que, aliás, já tinha bancado o “namorado” de Julia Roberts em “O Casamento do Meu Melhor Amigo”. Entre o respeito ao público conservador e os apelos da modernidade de costumes, duas novelas globais recentes optaram pela segunda alternativa e mostraram sem pudores esse tipo de relacionamento: “A Favorita” teve os tórridos Céu (Deborah Secco) e Orlandinho (Iran Malfitano) e “Caras e Bocas”, os divertidos Léa (Maria Zilda Bethlem) e Cássio (Marco Pigossi). A perua Léa, aliás, popularizou nas ruas o termo “Maria Purpurina”, apelido dado às mulheres que curtem tirar umas lasquinhas dos amigos homossexuais. Outro exemplo recente foi o affair entre a dentista Fernanda e o performático Serginho no “BBB 10”. O jogo de sedução entre os dois virou motivo de discussão na mídia e funcionou como uma espécie de senha para liberar muitas mulheres a assumirem: “Gosto de ficar com gays”.
Para os especialistas, há várias prováveis explicações para que algumas mulheres se sintam atraídas por eles. Sim, prováveis, porque em se tratando de sexualidade, não existe nada 100% imutável ou determinado. “A conduta sexual nunca é fechada na questão de gênero. As pessoas são mutantes em sua própria atividade sexual; desta forma, o que importa são os sentimentos do momento e as trocas de igual intensidade”, explica o ginecologista e sexólogo Amaury Mendes Junior, do Rio de Janeiro. “Os conceitos modernos mostram que a identidade sexual instala-se no indivíduo de acordo com seus sentimentos e percepções. Nada é definitivo, somente a certeza do desejo pelo outro”, completa.
Mostra e esconde
Segundo a psicóloga Carmen Cerqueira Cesar, de São Paulo, certos homens ainda não definiram sua identidade sexual e, portanto, não sabem direito o que sentem. Vão se descobrindo com o tempo ou se certificando - se desconfiavam. E aí alguns revelam, são sinceros, que é o que deveria ser feito; outros, não, preferem se esconder no armário. “Acho que eles deveriam abrir o jogo honestamente para a companheira, porque assim elas podem decidir o que fazer. Por mais incrível que possa parecer, ainda existem homens gays que não se aceitam, que têm medo da represália social, por isso então tentam namorar mulheres, casar e ter filhos. Podem ser gays ou bissexuais”, completa.
Cada mulher reage de um jeito diferente a essa notícia: se ela foi "enganada", vai ficar muito brava e com razão, já que a maioria das mulheres que deseja se realizar amorosa e sexualmente não deseja ficar com um parceiro homossexual. Podem até se tornar amigos, mas não dá para ter uma realização plena com ele. “Muitas mulheres passam uma vida sem perceber que o marido é gay ou ‘fingem’ que não percebem. É mais cômodo”, declara Carmen. Por outro lado, existem outras tantas que, por gostarem deles, e mesmo sabendo que são gays, não ligam. Elas gostam da pessoa. E vivem ou não uma vida sexual fora da relação.
No caso das garotas cientes da opção sexual do alvo de seu desejo, um dos fatores de os homossexuais serem atraentes aos olhos femininos é o fato de serem mais sensíveis, amigos, fiéis. Alguns se transformam até em confidentes. “Mulheres, por mais evoluídas que estejam, continuam buscando relações cuja prioridade passa por gentileza, delicadeza, companheirismo, afeto e cumplicidade. Os gays têm a alma feminina, são capazes de perceber mais rapidamente o estado de espírito em que se encontra aquela mulher”, ressalta a terapeuta corporal e sexóloga Valéria Walfrido, de Pernambuco, que vai além: “Muitas mulheres buscam chamar a atenção de determinado homem com maquiagens, tatuagens, cortes de cabelo, entre tantas outras coisas mais, porém sem sucesso. No universo gay, eles deixam transbordar a sensibilidade sem receios de críticas e falsos pudores. Quando se assumem, assumem sua essência, e esta encanta o público feminino que busca respostas aos seus por quês”, diz Valéria.
“Gays nos tratam com carinho e atenção, não querem somente sexo. Eles sabem onde deve pegar, o que você sente e o que você quer escutar. Acima de tudo, é um amigo que se importa se você está bem. Resumindo, dão mais atenção do que os héteros”, assegura a estudante T. F., de 16 anos, do Guarujá (SP), que já teve relacionamentos com cinco garotos homossexuais – o último durou um mês. “Não sei dizer direito o que me atrai neles... Gosto do jeito de andar, dos gestos afeminados, da autoestima alta”, revela a garota, que se autodenomina uma autêntica “Maria Purpurina”.
Desconforto
Segundo o psicólogo Oswaldo Martins Rodrigues Jr., do Instituto Paulista de Sexualidade (Inpasex), a química acontece porque as mulheres buscam contatos afetivos, mais que sexuais. “É preciso avaliar se não se trata de uma mulher que tem atração por outras mulheres, mas sente algum desconforto a respeito e se aproxima de homens femininos”, questiona. Para Carmen Cerqueira Cesar, a questão do desconforto com a própria sexualidade é relevante. A mulher, no caso, teria medo de viver suas próprias vontades e de encarar um homem hétero, sua potência, seu desejo. “Com um gay, ela se sente protegida."
Léa, vivida por Maria Zilda Bethlem em "Caras e Bocas", popularizou o termo "Maria Purpurina"
assumidérrimos ficam com mulheres para experimentar, reforçar ou não suas "convicções" homossexuais, porque gostaram da "pessoa" ou simplesmente para curtir.
Existem mulheres, no entanto, que transformam a conquista em uma espécie de troféu, passando a se sentir mais poderosas depois. “Muitas com feridas latentes por amor dissolvido ou como exercício da própria sexualidade podem tentar exercer a sedução como forma de poder”, afirma o ginecologista e sexólogo Amaury Mendes Junior.
Oswaldo Rodrigues, do Inpasex, tem outra opinião: só sente o sabor da conquista a mulher que tem características de papel sexual masculino, que sejam psicologicamente andróginas. Já Valéria Walfrido relembra que a conquista faz parte de tudo em nossa vida, sendo essencial para nossa existência. “Qualquer relação pode iniciar-se por pura curtição, relacionamentos sérios começam dessa forma, sem ambicionar nada mais. Com o decorrer dos encontros, as pessoas encontram afinidades.” Para Oswaldo Rodrigues, só será uma curtição se a ficada com o gay for uma variação, e ela tiver outras preferências. É o caso da jornalista paulistana Carla Dias, de 31 anos. “Fiquei com um chefe gay que eu tive. A gente se dava muito bem. Uma noite, em um bar, a gente já tinha bebido bastante e ficava o tempo todo abraçado. Até que fomos ao banheiro e acabamos ficando. Foi ótimo! Ele tinha uma pegada melhor que de muito homem! Aquilo, para mim, parecia atraente, um desafio. Me senti muito à vontade, livre de pensamentos do tipo: ‘será que encontrei o homem da minha vida?’. A partir do momento que você se relaciona com um gay, deve ter total consciência de que será um relacionamento livre.”
Sem expectativas
Carla se jogou na experiência sem expectativas, mas há quem não aja assim. Certas mulheres passam a achar que vão conseguir mudar o sujeito (em outras palavras, fazê-lo “virar homem”), o que, em 99% dos casos, é pura ilusão. Os especialistas afirmam que raramente há algum tipo de futuro para uma relação como essa sob o ponto de vista de um relacionamento completo, pois a mulher não se realiza plenamente. Para a terapeuta sexual Valéria Walfrido, quando o gay assume sua opção sexual, ele deixa claro o que objetivamente deseja. “Infelizmente, a maioria esmagadora das mulheres carentes crê que com o amor tudo milagrosamente se transforma, e não é bem assim. Há de haver respeito pelas opções de todos sem exceções.”
Para o sexólogo Amaury Mendes Junior, “uma relação pode se dar por compensação ou por objetivos”. “Mas já vi casos em que a paixão da mulher pelo sujeito era tanta, que ela quis ficar com ele mesmo sabendo da orientação sexual dele. Eles se adoravam, eram muito amigos, mas viviam quase como irmãos. São formas diferentes de amor e a gente não deve ter preconceito. Esse casal viveu ‘feliz’ por toda uma vida. Do jeito deles, claro, como aquela música que diz que qualquer maneira de amor vale a pena”, diz a psicóloga Carmen Cerqueira Cesar.
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