quinta-feira, 31 de maio de 2012

Liberdade vigiada



Fotos da atriz Carolina Dieckmann nua, feitas por ela em momentos íntimos, foram furtadas por um chantagista e divulgadas na internet. O que esse caso ensina a todos nós

MARCELA BUSCATO, NELITO FERNANDES, MAURÍCIO MEIRELES E LUÍZA KARAM
ACUADA Carolina Dieckmann chega para depor na Delegacia de Repressão aos Crimes de  Informática, no Rio. Ela não sabe como suas fotos foram roubadas (Foto: Severino Silva/Ag. O Dia)
A atriz Carolina Dieckmann, de 33 anos, nunca posou nua. Apesar de habitar a tela e a imaginação dos brasileiros desde os 15 anos, quando estreou na televisão na minissérie Sex appeal, ela sempre resistiu aos convites para tirar a roupa diante das lentes. Mãe de Davi, de 13 anos, de seu casamento com o ator Marcos Frota, e de José, de 4, da atual união com o diretor de TV Tiago Worcman, sempre brigou para preservar seus filhos – dos excessos dos paparazzi que a acompanham diariamente e da possibilidade de ver a mãe pelada numa revista. Não adiantou. Desde o dia 4, Carolina está sem roupa e em poses sensuais em um número incalculável de computadores.
As fotos, clicadas por ela mesma em momentos íntimos, foram furtadas. Não se sabe ao certo de onde. Muito menos por quem. Durante duas semanas, a atriz se recusou a ceder a uma chantagem. O criminoso fez contato por e-mails anônimos enviados a seu empresário, Alex Lerner. Chegou a exigir R$ 30 mil para não divulgar as fotos e mandou duas delas para provar que não blefava. Baixou o preço para R$ 10 mil, mas Carolina não cedeu, convencida de que a chantagem nunca teria fim. Ela não sabe como as fotos foram obtidas. Uma das hipóteses é que alguém teve acesso físico a seu computador ou celular e aproveitou para copiar as imagens. Antes da chantagem, seu computador tinha sido levado para a assistência técnica por causa de um defeito. Mesmo que Carolina tivesse apagado as fotos indiscretas da memória da máquina, há programas capazes de recuperá-las. Os dois técnicos que consertaram o computador já foram ouvidos pela polícia. Outra suspeita recai sobre um celular antigo que a atriz deu de presente a uma funcionária. Há também a possibilidade de que Carolina tenha sido vítima de um ataque remoto de um hacker. Em sua conta no Twitter, ela escreveu pelo menos duas vezes que suspeitava estar sendo hackeada. Em 1o de março, Carolina postou a mensagem: “Rackearam (sic) meu e-mail do Google!!! É a milésima vez que fazem isso; que absurdooo...”. Em 23 de abril, um novo recado: “Tô sendo constantemente rackeada (sic), sempre segunda-feira de manhã... Que estranho, viu? Tô de olho!!!”.
Na segunda-feira 7, Carolina prestou depoimento por sete horas ao delegado Gilson Perdigão, titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, que decidiu manter a investigação sob sigilo. Quando chegou, escondia os olhos atrás de óculos escuros. Sorriu, mas não falou com os jornalistas. Estava visivelmente constrangida. “Qualquer um poderia estar na situação dela”, afirma Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro. No passado, Carolina deu mostras de que valoriza sua privacidade e está disposta a defendê-la. Em 2006, ganhou uma ação contra o prograna Pânico, então na Rede TV!. No ano anterior, o programa levara um guindaste ao prédio onde ela mora para chegar a seu apartamento. Carolina diz ter ficado com fama de chata por causa do episódio.
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A mensagem
Para pensar
A invasão de privacidade não ocorre apenas com gente famosa e descuidada
Para agir
É necessário proteger as imagens produzidas na intimidade
 A divulgação de suas fotos íntimas expõe de forma dramática a perda diária e gradual de privacidade que avança a nosso redor. Antes, eram os paparazzi que flagravam a intimidade alheia. As celebridades, suas únicas vítimas. Agora, são os famosos – e até nós mesmos – que tiram as próprias fotos e as armazenam nos computadores. Aos hackers resta roubá-las. Ou se aproveitar da exposição voluntária das futuras vítimas. “A maior ferramenta do hacker é a engenharia social”, diz Rodrigo Valle, chefe do grupo de operações da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática. “As pessoas mostram a casa, fazem fotos, mostram os filhos, os nomes, endereços, tudo. Alguém pode reunir esses dados e cometer fraudes em compras on-line ou tentar falsos sequestros por telefone.”
Foi assim que o hacker americano Christopher Chaney, de 35 anos, conseguiu entrar em contas de e-mails de mais de 50 celebridades e acessar todos os documentos e imagens que estavam armazenados. Ele clicava no botão “senha esquecida” e testava a combinação com base em informações colhidas na internet sobre a vida das celebridades: data de nascimento, apelidos, nome do animal de estimação. Famosos como Scarlett Johansson tinham senhas previsíveis a ponto de ser adivinhadas por Chaney. Milhões de pessoas ao redor do mundo puderam saciar sua curiosidade sobre o corpo da atriz vendo as imagens que ela mesma tinha feito para seu marido à época, o ator Ryan Reynolds. Depois do escândalo, Chaney foi descoberto por uma investigação do FBI, a Polícia Federal americana. Ele está preso e pode pegar até 60 anos de prisão. A sentença deverá sair em 23 de julho.
A maior briga de Carolina, além de encontrar o culpado pelo vazamento, é impedir que as fotos se espalhem pela rede mundial de computadores – uma tarefa praticamente impossível. A pedido de seu advogado, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, os dois sites que primeiro divulgaram as fotos, situados no exterior, já as tiraram do ar. Bastou Kakay mandar reportagens divulgadas no Brasil sobre como as fotos foram adquiridas ilegalmente. A outra frente promete ser mais complicada: impedir que o Google mostre as fotos nos resultados de suas buscas. Em nota, o Google disse não ter responsabilidade sobre os conteúdos publicados na internet e que “não interfere em seus resultados de busca”. Para fazer isso, exige uma medida judicial.
A reação popular às fotos de Carolina variou da admiração pelo corpo da atriz às críticas escancaradas ou veladas a seu comportamento: quem, afinal, mandou tirar fotos pelada? Não é o caso de atirar pedras, porém. Todo mundo tem o direito de se fotografar da maneira que quiser. Do ponto de vista moral, o sujeito que furta as fotos é um criminoso idêntico ao que arromba uma janela e retira fotos de família de uma gaveta na cômoda do quarto. Um ladrão, nem mais nem menos. Quanto à nudez, ela faz parte de um contexto amplo de mudança de hábitos. No mundo inteiro, as pessoas estão se fotografando e se deixando fotografar em situações íntimas. É cultural, traz prazer para alguns. Mas acarreta riscos. “Ainda queremos acreditar que algumas coisas podem ser mantidas protegidas, distantes do olhar alheio”, diz o advogado americano David Montes, autor do estudo Living our lives online: the privacy implications of online social networking (Vivendo nossas vidas on-line: as implicações para a privacidade das redes sociais). “Por isso, é cínico dizer que as pessoas queriam, mesmo que inconscientemente, que sua intimidade fosse trazida a público.”
Há explicações psicológicas para justificar o gosto por fotos íntimas. Em primeiro lugar, a popularização das câmeras digitais deu asas ao encanto de nos vermos retratados. “Os seres humanos são essencialmente sociais, por isso sentimos prazer quando as pessoas nos reconhecem em fotos”, afirma o ginecologista Paulo Canella, chefe do ambulatório de sexologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Sentimos que estamos inseridos no grupo.”
Em segundo lugar, estamos constantemente expostos a imagens e vídeos com apelo sensual. É natural que queiramos reproduzir situações glamorizadas, mesmo sem ter o desejo (ao menos consciente) de dividi-las com outras pessoas. “A onipresença de câmeras, assim como a fascinação em nos vermos, nos levou a uma estética do tipo ‘faça você mesmo’ na vida sexual”, escreve o pesquisador americano Craig Watkins. Ele estuda o comportamento dos jovens nas mídias digitais na Universidade do Texas. Por fim, há também uma explicação neurológica. “O cérebro feminino é programado para excitar-se com a excitação masculina”, diz o neurocientista americano Ogi Ogas, que pesquisa o consumo pela internet de material erótico e pornográfico. Ele diz que é estimulante para as mulheres retratarem-se em poses sensuais e roupas diminutas.
Carolina escreveu pelo menos duas vezes no Twitter que suspeitava estar sendo hackeada 
Quando o prazer desses pequenos flagrantes íntimos vira um pesadelo de exposição pública, as consequências podem ser graves. Os sentimentos variam de remorso à dificuldade de expressar emoções. Algumas vítimas isolam-se. Outras apresentam quadros de ansiedade. Poucas entram em depressão e há até relatos de suicídio. Nos Estados Unidos, duas jovens, Jesse Logan, de 18 anos, e Hope Witsell, de 13 anos, se mataram depois que fotos que elas tiraram nuas foram parar nas mãos de colegas. As duas histórias são semelhantes: as imagens foram enviadas aos namorados, que as repassaram. Claro que os casos extremos são minoria. Da mesma forma como algumas vítimas podem entrar num quadro de desânimo e depressão, outras podem superar a situação com facilidade. “As reações individuais dependem dos mecanismos que a pessoa usa para administrar situações indesejadas”, afirma o psicoterapeuta Oswaldo Rodrigues Junior, diretor do Instituto Paulista de Sexualidade. “Algumas pessoas podem reagir de modo útil, superar a circunstância e tirar proveito dela.”
Nessas situações, pesa muito o julgamento público. Se a pessoa for anônima ou famosa, não faz diferença. Ela será exposta diante de seu grupo social e pode ser julgada com severidade, embora a repetição desses casos esteja criando tolerância e até mesmo solidariedade com aqueles cuja intimidade foi violada. “A reação popular tem sido cada vez menos implacável”, afirma o advogado Montes. “Consigo imaginar um futuro em que pessoas envolvidas nesses escândalos poderão ser eleitas a cargos públicos sem problemas.” É pouco provável, por exemplo, que esse caso afete a imagem de Carolina, prejudicando contratos publicitários. “A vida pessoal dela foi violada. Qualquer empresa é capaz de entender que ela foi vítima de um crime. Não houve qualquer desvio de conduta da parte dela”, diz o empresário Ike Cruz, que agencia vários artistas, como a atriz Juliana Paes.
Mas isso não impede o falatório. Até famosos que já sofreram em situações semelhantes, como a atriz Luana Piovani, tripudiaram sobre o drama de Carolina. Em sua conta no Twitter, Luana escreveu: “Isso nunca vai acontecer comigo. Eu dou outros moles”. O mole a que a atriz se refere foi uma cruzada de pernas, em 2004, durante uma premiação da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro. Luana, flagrada por um fotógrafo, sentada ao lado do então namorado, Ricardo Mansur, estava sem calcinha. Esse tipo de reação sarcástica contra a vítima de invasão de privacidade não é desconhecido. A estudante Naina Yamasaki, filha da cineasta brasileira Tizuka Yamasaki, também foi responsabilizada por conhecidos quando, em 2008, um filme em que ela aparecia numa relação sexual vazou. Até hoje, ela não sabe ao certo como o vídeo, que gravara aos 16 anos, saiu de seu computador. O material caiu na rede e se espalhou de sites pornôs às telas de computador de seus colegas, numa faculdade de São Paulo. Naina teve a sensação de que todo mundo tinha visto. “O que mais escutei foi: ‘Você é burra. Fez por merecer’”, diz Naina, que mora atualmente em Nova York.
Carolina, fortalecida pela decisão de reagir à chantagem, parece firme, ainda que fragilizada. Ela tem evitado sair de casa, mas cumpre compromissos de trabalho. No dia seguinte ao depoimento à polícia, assistiu a um workshop nos estúdios da TV Globo no Rio, em preparação para a próxima novela de Glória Perez, Salve Jorge. Carolina interpretará uma jovem presa por uma quadrilha que faz tráfico de mulheres. Ela chorou durante o depoimento de uma moça que passou pela situação real. Marcos Frota conversou com a ex-mulher ao telefone e contou que a maior preocupação de Carolina é o filho adolescente dos dois. O ator almoçou com ela e toda a família no sábado, um dia depois que as fotos foram publicadas, e disse que o assunto não os abalou. “Carol é uma mulher realizada na carreira e na vida pessoal”, afirma Frota. “Ela vai tirar isso de letra.”
A multiplicação de episódios de violação de imagem envolvendo artistas e anônimos sugere que o problema deixou de ser pessoal para tornar-se coletivo. Diante das infinitas possibilidades de invasão criadas pelas câmeras e pelos arquivos digitais, a sociedade precisa criar normas legais e de conduta para proteger os momentos de intimidade. Como disse a escritora e filósofa americana Ayn Rand (1905-1982) “civilização é o progresso em direção a uma sociedade de privacidade. Civilização é o processo de libertar o homem do homem”.
4 dicas para proteger sua intimidade na rede 
Muitos hackers se aproveitam de dados fornecidos pelas próprias vítimas em redes sociais e de descuidos na segurança do computador e dos arquivos 
Previna-se contra invasões de hackers
Mantenha o sistema do computador atualizado. As correções enviadas pelas empresas de software evitam o ataque de hackers. Por esse motivo, use sempre programas originais. Os piratas não recebem as atualizações. Evite arquivos de procedência duvidosa: se não conhece o remetente ou desconfia do arquivo, não acesse. Tenha um antivírus para destruir softwares daninhos
Cuide dos arquivos armazenados no computador
Se você quer impedir que hackers acessem algum conteúdo íntimo, deve armazená-lo numa mídia externa, como HDs, pendrives ou CD-ROMs. Lembre que alguns programas podem recuperar informações deletadas. Uma maneira de evitar a exposição é usar criptografia, para embaralhar informações e apresentá-las de outro jeito, ilegível para quem acessá-las
Crie senhas difíceis
A senha dos e-mails deve ser complicada até mesmo para o dono (se for preciso, anote suas senhas num arquivo de texto e o proteja com criptografia). Tenha cuidado com as “perguntas secretas” — usadas pelos provedores para a recuperação de senhas. As respostas, nome do bicho de estimação, escola em que estudou podem estar em seu perfil numa rede social. Use senha no celular
Aceite os limites (invisíveis) da privacidade virtual
Se você não quer que alguém veja alguma foto, vídeo ou informação pessoal, não publique em nenhuma rede social. Mesmo que seus dados só estejam disponíveis a quem você autoriza, eles podem ser repassados por essa pessoa para outras. Não se engane: você não tem controle sobre sua exposição quando sua intimidade está on-line


http://revistaepoca.globo.com/vida/noticia/2012/05/liberdade-vigiada.html

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