Cem anos de sexo
Especialista explica a evolução da sexualidade
27/04/2009
Por Cláudio Martins*
São muitas as reflexões sobre o que ocorreu no transcorrer dos últimos cem anos e as implicações comportamentais e emocionais da ampliação das liberdades internas dos indivíduos, no que tange à sexualidade.
No início do século XX, a sexualidade ainda era assunto proibido e pouco divulgado, tanto é que Freud teve que transpor uma série de tabus sociais do período para poder divulgar seus trabalhos científicos, que buscavam ampliar o entendimento da sexualidade humana e as suas múltiplas facetas, até que houvesse uma aceitação dos seus trabalhos como uma referência científica do funcionamento da mente.
Em termos comportamentais havia a necessidade de todo um ritual de cortejo para que o homem se aproximasse da amada, no qual passava inevitavelmente pela autorização do pai da mulher. Uma vez aceito o noivado ela se vê num "brete", pois caso houvesse o rompimento, dificilmente haveria um segundo pretendente. Para complementar, e para o espanto dos "teens" atuais, a moça deveria chegar virgem ao casamento, pois, caso contrário, havia o risco de ser devolvida aos pais (por incrível que pareça, algumas mulheres, ainda hoje, sofrem do temor de serem rejeitadas por terem tido alguma experiência sexual prévia).
Num passeio pela história, percebe-se que o mundo era extremamente patriarcal nos idos dos anos de 1910, quando os papeis nas relações conjugais já estavam prédefinidos, ou seja, o homem era o provedor econômico e a mulher tinha a função de cuidar dos filhos e da casa. Será que, passados praticamente cem anos, este tipo de mentalidade mudou muito? Bom deixo isto para o leitor refletir.
Já pelos idos dos anos 20 "alguns" progressos foram sendo incorporados nos rituais sociais, ou seja, os namoros (leia-se passear de mãos dadas e roubo fortuito de um beijo, portanto muito distante do ficar dos jovens atuais) começaram a se expandir para lugares públicos, mas com um detalhe importante: a jovem deveria estar acompanhada de um parente no famoso papel de "segurar a vela".
Avançando-se ao redor de uma década, inicia-se a fase dos manuais de aconselhamento matrimonial, que vai democratizando as informações e a "permissão" para uma vida sexual harmoniosa e prazerosa da mulher, mas com "serenidade" (seja a interpretação que possamos inferir de tal observação). De qualquer forma, o sexo já passa a ser visto como um dos pilastros essenciais para um bom relacionamento conjugal.
Lá pelos anos 40, as mulheres já conseguem impor um papel de maior autonomia nas suas escolhas. Há uma gradativa redução no controle dos namoros desde que o escolhido seja um moço de "futuro". Rapidamente se evolui para uma discussão mais ampla da sexualidade, pois começa haver uma conversa maior entre mães e filhas no sentido de estas serem aconselhadas a tomarem precauções para evitarem a tornarem-se umas "perdidas" , ou seja, perder a virgindade antes do casamento. O que gerava uma sexualidade extremamente reprimida e cheia de medos.
Já nos idos dos anos 50 há uma ampliação na discussão da vida sexual entre o casal. Começa se identificar melhor as frustrações e gratificações vinculadas a "algo" que sempre existiu mas que se mascarava, isto é, a sexualidade humana passa a ser um tema obrigatório na vida de homens e mulheres para que possa haver uma ampliação do bem-estar na relação a dois
Sem dúvida, no vácuo de liberalidade dos anos anteriores, o avanço da ciência colaborou para a revolução sexual dos anos 60, com o surgimento da pílula anticoncepcional que proporcionou a possibilidade do exercício da sexualidade sem o temor da gravidez indesejada, e por conseguinte, o casamento "obrigatório". A mulher passou a ter uma possibilidade até então desconhecida, ou seja, transar por busca de prazer sexual.
Os dogmas religiosos e sociais de que o casamento estava vinculado a uma sentença de vida, isto é, a famosa frase "até que a morte os separe" passou a ser questionada e, como resultado, os índices de separação vêm aumentando desde então (pois vejamos, enquanto em 1900 de cada 86 casamentos um terminava em separação, hoje ocorre um divórcio a cada seis uniões) .
Mais contemporaneamente, os anos 70, com os seus bailes de música lenta e rock pauleira, são lugares para os "amassos" e não esqueçamos dos namoros nos carros e numa realidade bem brasileira: o surgimento avassalador dos "motéis do amor". Tudo isso representando que um casal, quer de namorados ou numa relação mais formal, o sexo passa a ser um fator determinante para que um casal permaneça junto. O que considero um incremento da capacidade de bem viver do indivíduo.
O que parecia ser uma liberalidade exagerada para alguns, nos anos 80 foi de uma certa forma contida com o surgimento da AIDS, que passou a exigir mais responsabilidade nas relações, bem como trouxe novamente o medo entre os jovens nas suas iniciações sexuais. O que antes era um repressor social passou a ser o temor de uma contaminação. Vejam que a conquista da liberdade sexual é trabalhosa. Por outro lado, as conquistas sociais e sexuais da mulher foram proporcionando uma maior tomada de consciência e maturidade para que os casamentos ocorram mais tarde, assim como a geração de filhos.
A mesma geração que nos últimos 30 anos alcançou conquistas inimagináveis no início deste século, passa agora ter filhos e por coerência social e por pressão das gerações atuais incorpora o namoro com sexo como algo socialmente aceito, inclusive com a cedência da própria casa da família para facilitar a vida dos jovens enamorados.
Portanto, houve realmente uma mudança de hábitos e costumes vinculados à sexualidade, ou seja, de uma repressão intensa no início do século a uma incorporação da vida sexual como um dos aspectos essenciais da vida. E para o alento dos homens, e porque não dizer também das mulheres, a ciência mais uma vez colabora para um avanço na sexualidade com o surgimento do Viagra nesta virada de século, que afasta o temor da impotência de um grande grupo.
Assim sendo, parece indubitável que a humanidade neste balanço está com um saldo extremamente positivo, mas que necessita expandir tais conquistas para um maior número de pessoas, o que permitiria uma sexualidade livre, com responsabilidade e segurança, o que certamente colaborará de uma forma muito mais ampla do que possamos imaginar para o bem-estar da humanidade.
*Cláudio Martins é Mestre em Psiquiatria pela University of London e exerce sua atividade clínica em Porto Alegre.
http://www.maisde50.com.br/editoria_conteudo2.asp?conteudo_id=7126
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