sábado, 30 de abril de 2011

Exames preventivos podem levar a tratamentos com efeitos colaterais maiores que os benefícios

Exames preventivos podem levar a tratamentos com efeitos colaterais maiores que os benefícios

Há dois anos, quando tinha 45 anos, Clélia descobriu tumores malignos em um dos seios. Teve de tirar toda a mama. Ficou careca por causa da quimioterapia. Passou por sessões de radioterapia. Hoje, curada e com o seio reconstruído, acredita ter tido sorte de descobrir os nódulos a tempo. “O que pode machucar mais uma mulher do que morrer de câncer?”, diz Clélia, que passou a fazer campanha para que todas as funcionárias de sua produtora de cinema façam o exame regularmente. Ela só se arrepende de uma coisa: ter se esquecido de levar ao médico os resultados de uma mamografia anterior, um ano antes de descobrir o câncer. Dois nódulos já estavam na mamografia esquecida. “Um ano depois, eles já tinham aumentado e um terceiro surgiu”, diz Clélia. “Se eu tivesse visto antes, talvez não precisasse tirar a mama.”

A história da dona de casa paulistana Henriqueta Bastidas, de 64 anos, teve um desfecho diferente, mas a angústia até receber o diagnóstico segue o mesmo roteiro. Henriqueta fez biópsia para investigar nódulos encontrados em uma das mamas durante uma mamografia de rotina. Na semana que passou aguardando o resultado, fez até promessa: intensificaria seus trabalhos voluntários. Lembrou-se da mãe, que havia retirado uma das mamas aos 59 anos e viveu por mais 30, incomodada com a mutilação. Lembrou-se do marido, que morrera havia pouco mais de um ano em decorrência de câncer de próstata. “Eu pensava que não queria sofrer como ele”, diz Henriqueta. “Quando o médico disse que estava tudo bem, comecei a chorar.” Apesar do desgaste, ela diz que repetirá o exame daqui a seis meses. “E se fosse um tumorzinho?” A mastologista Fabiana Makdissi, de São Paulo, concorda: “É sempre ruim uma biópsia desnecessária. Mas deixar de fazer o diagnóstico enquanto o tumor ainda é curável é muito pior”.

Os argumentos de Welch contra o exame preventivo dos tumores na próstata são semelhantes aos usados contra as mamografias. Com o envelhecimento, é normal que surjam pequenos tumores. A maior parte deles demorará tanto tempo a se desenvolver que não oferecerá risco de morte. O exame usado no rastreamento mede os níveis no sangue de uma proteína produzida pelas células da próstata, o antígeno prostático específico, conhecido pela sigla PSA. Os cientistas aprenderam que níveis elevados dessa enzima estão associados à presença de tumores. O problema é que o exame é impreciso. Nem sempre o aumento no PSA está associado ao aparecimento de um câncer. O passo seguinte, uma vez que o PSA esteja alto, é fazer uma biópsia. Ela pode indicar se há um tumor e qual é seu grau de malignidade, mas também pode ser inconclusiva.

Para Welch, as imprecisões são tantas e a possibilidade de um tumor grave tão pequena que é melhor, simplesmente, correr o risco e não fazer o exame de PSA. “Os homens precisam saber que há uma chance de 15% de sofrer de incontinência urinária e de 30% de se tornar sexualmente impotente por causa da retirada da próstata, que é o tratamento-padrão para esse tipo de câncer”, diz Hadler, da Universidade da Carolina do Norte. “Precisamos de um exame que não induza as pessoas a tratamentos arriscados e desnecessários.” O cirurgião oncológico Ademar Lopes, diretor do departamento de cirurgia pélvica do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo, discorda. “Exagero não é fazer exames, mas achar que eles podem fazer mais mal do que bem. Exagero é deixar de descobrir doenças que podem matar”, diz ele, um dos cirurgiões que cuidaram do ex-vice-presidente José Alencar, que morreu em março após quatro anos de luta contra o câncer.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI227730-15257,00.html

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