segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Há mais casais a pedir ajuda de terapeutas


Auxiliar de casamento
No dia em que o tampo da sanita se torna a arma de arremesso o casal nota que está em ruptura. A imagem é já um clássico da vida a dois mas é precisamente na esfera da intimidade que a relação de Ana e João sofre o maior abalo.

Com terapia, o casal, que está junto há 20 anos e tem dois filhos adolescentes, aprende a sobreviver mais uns tempos. "Pode não ser para a vida, mas estamos a fazer um esforço", admite Ana B., comerciante, 47 anos, que apenas acede a falar via internet.
Apesar de ainda ser tema tabu, a terapia de casal cresce por todo o País. Ajudados pela abertura da sociedade e passa palavra de quem já recebeu ajuda, são cada vez mais os parceiros que se sentam no sofá de um terapeuta. E com a crise as consultas aumentam. "Os motivos são os mais variados, mas os pedidos mais frequentes prendem-se com problemas de comunicação no casal, situações de pós-infidelidade e pré-ruptura, problemas com os filhos, nas idades mais críticas, e com as famílias de origem", explica Catarina Mexia, que acompanha casais em crise desde 1995.
Para a terapeuta, "o velho ditado ‘em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão’ é um pouco o espelho do que tem aparecido na consulta. O tema do dinheiro é quase sempre problemático e mal trabalhado pelos casais. E em situação de crise, como a que vivemos, a relação com o dinheiro, a dificuldade real, acaba por exponenciar dificuldades já existentes de comunicação do casal".
A SOPA DA SOGRA
Nesta lista de causas, a relação de Ana e João é quase enciclopédica. "Todos os motivos serviam para iniciar uma discussão", desde as amizades do filho mais velho às sopas que a mãe dele fazia – "que eram sempre melhores do que as minhas" –, mas o ponto alto surgia "logo pela manhã", quando a desarrumação da casa de banho fazia desfiar elogios e ofensas aos hábitos herdados dos pais.
"Tínhamos discussões tão violentas que muitas vezes a minha filha mais nova ia para a escola a chorar", recorda Ana, que admite ser o pilar da casa por ter mais rendimento do que o marido, escriturário.
Após 20 anos de vida em comum, o casal procura uma nova palavra para substituir o entusiasmo dos primeiros anos do namoro. João acredita no casamento; Ana tem dúvidas sobre o sentimento que alimenta a relação mas nota que houve culpas dos dois: "Deixámos de ter projectos a dois, acumulei tarefas e isso trouxe desgaste".
PAIXÃO E FACEBOOK
A experiência de ouvir ambos os lados da barricada leva Maria de Jesus Candeias a notar que a "falta de comunicação" é um grande entrave na vida a dois. Na sala da terapeuta, os sofás dispostos em círculo convidam à conversa, o que nem sempre acontece na vida em casal, hoje com espaços de lazer frontais para a TV ou o computador.
"As duas pessoas que formam um casal trazem toda uma carga de história familiar e quando começam a viver juntos têm de aprender novas maneiras para conviver", explica. "A maior parte tem conflitos por situações mínimas, por questões de educação, como a maneira de estar à mesa ou os hábitos de estar com o outro. Mas também surgem discussões muito violentas. Muitos chegam aqui no limite e há quem saia porta fora, quem diga ‘já não gosto de ti’. São casais em situações de ruptura que nunca foram faladas e cara a cara são capazes de dizer ‘deixei de sentir amor’".
Por ser terapeuta do casal, Maria de Jesus Candeias acredita que "é a paixão que acaba. Há uma fase inicial de ilusão", em que se fala de tudo, "que se pode transformar e evoluir para um outro sentimento. Numa relação há três pilares fundamentais: confiança, respeito e amor. Isso nunca acaba", nota.
No entanto, apesar de todos os ensinamentos, emerge um novo paradigma, em que o divórcio passa a ser socialmente aceite, a traição já não é consentida, mesmo em casamentos tradicionais, e o Facebook "entra na vida dos casais", nota a clínica. "Por vezes, esse uso da rede social mais não é do que um jogo de sedução, mas o facto de se descobrirem novos actores no Facebook ou no e-mail gera enormes tensões".
GERIR O OUTRO
A traição, "seja sob a forma de uma infidelidade ou da quebra de um compromisso", é, para Catarina Mexia, o que mais afecta a vida de um casal.
"Recordo um caso recente em que o casal, ele com mais dez anos, se juntou com o compromisso de após dois anos terem filhos. Por impedimento de carreira dele, não foi possível cumprir essa meta. Mais tarde, a questão colocou-se de novo e finalmente, durante o processo de psicoterapia , surgiu a informação de que não haveria, por vontade dele, filhos naquela relação. Para aquela mulher esta foi uma traição impossível de superar", relata.
Foi o momento em que as mulheres saíram para o mercado do trabalho que mudou as relações conjugais, frisam os terapeutas.
"As mulheres passaram de uma situação de total submissão para uma autonomia em que já podem dizer ‘vou à minha vida’ e neste momento até decidem mais do que o homem. Há aqui um emergir da mulher e um anular do homem, que tem vindo a perder poder. Elas estão mais exigentes, quase que se impõem e o homem está num papel passivo", nota Maria de Jesus Candeias.
E isso estende-se à guarda dos filhos menores em caso de divórcio. "Os pais cada vez mais querem estar presentes, mas por tradição os filhos são entregues à mãe, o que pode gerar enormes conflitos", diz.
Catarina Rivero adianta que "culturalmente, as mulheres cuidam da casa e os homens ‘apenas ajudam’", apesar de serem cada vez mais os que assumem tarefas como ir buscar os filhos à escola, estar em casa à hora do banho e fazer o jantar.
'O BEIJO' DE KLIMT
Porque acredita no "amor romântico" e nas "relações duradouras", Catarina Rivero ilustrou o espaço do Cais do Sodré onde acolhe os casais com uma réplica do quadro ‘O Beijo’, de Klimt: "Foi a primeira coisa que coloquei no consultório, pois a imagem do casal a beijar-se, à beira do precipício, tem o simbolismo da relação forte. A sedução é um percurso para a vida e há que saber encantar a dois".
Com pacientes de todas as idades, são os que enfrentam o desafio de serem pais e os menos jovens e isolados os que mais marcam o espaço desta terapeuta: "O início da parentalidade abana o sistema e tenho muitos casais com filhos de meses que se queixam de um desinvestimento na relação", diz.
No outro extremo, encontra "muitos casais, entre os 35 e os 50 anos, que não têm amigos e o seu dia-a-dia é entre o trabalho e a casa/família. Ter outras relações é bom, pois quando o casal se fecha muito sufoca. Precisamos de sentir saudade e até um bocadinho de insegurança. Em alguns casais pode causar transtorno o facto de dar tudo por garantido".
Foi precisamente a solidão que levou Célia e Miguel, de 27 anos, a pedir ajuda. A juventude de ambos contrasta com a aparência pacata, o ar de ‘quem não parte um prato’. Os dois queixam-se que um namoro que vem da adolescência, com direito a férias em casas dos pais, e uma vida profissional preenchida – ela na área do Serviço Social e ele na Engenharia –"não chega" para alimentar a vida conjugal. "A partir daqui o passo é mudar", confirma Miguel.
O NINHO VAZIO
Para José Carlos Garrucho, membro da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar desde 1997, "há mais pessoas a precisarem de apoio, isso é uma evidência; que o peçam já é diferente. Muitas vezes têm dificuldade em suportar os honorários e tendem a tentar resolver sozinhas, antes de assumirem um pedido de ajuda".
No consultório de Coimbra recebe "muitos casais com mais de 30 anos, enquanto o casal tem actividade sexual e vitalidade. Mas também no final da vida, quando se confrontam com o ‘síndroma do ninho vazio’. Tinham uma triangulação, que os ocupava", com o cuidar dos filhos, e em alguns casos é difícil voltar à vida de casal , com tudo o que isso implica. "A sexualidade, com as dificuldades de erotização, as questões da infidelidade e ciúmes são assuntos que acontecem, surgem nas consultas e variam com o tempo. Inicialmente vinham os homens com as mulheres deprimidas, porque eles tinham sido infiéis. Hoje as mulheres também já o são e os homens não lidam bem com isso".
Apesar das mudanças visíveis na sociedade, a "terapia para o divórcio" é por vezes fundamental. José Carlos Garrucho lembra que "existem casos em que as pessoas, mesmo estando numa relação violenta, têm dificuldade em sair, pois a vítima sofre a destruição da sua rede social e depende do agressor".
O terapeuta é claro ao dizer que "não há géneros isentos de culpa", no entanto avisa "que a violência física é mais comum nos homens e a verbal nas mulheres. Mas a mais destrutiva é a masculina pois os homens tendem a agir, são mais competentes fisicamente. Culturalmente as mulheres não são violentas". 
VENDA DE CASA E FILHOS AMARRAM CASAL
Em 2008, a Lei do Divórcio facilitou a separação por mútuo acordo. Apesar do aumento até 2009 (26 464 divórcios), o número de processos estabilizou entre 2010 e 2011. Muitos terapeutas notam que a crise leva os casais a ficar na mesma casa "por não a conseguirem vender, apesar de estarem separados maritalmente". A guarda dos filhos também justifica a decisão.
"Com a nova lei, o exercício do poder paternal é conjunto, mas por vezes os pais pedem a guarda conjunta, o que por norma recusamos, para evitar que a criança ande de casa em casa", diz o juiz Celso Manata do Tribunal de Menores de Lisboa. Relativamente à regulação do poder paternal, até dia 11 entraram na comarca de Lisboa 746 acordos. Em 2010 houve um total de 1106 processos.

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