segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Grupos querem prevenir abuso sexual tratando pedófilos


A cada ano há mais denúncias de abuso sexual contra crianças. De janeiro a abril, passaram de 34 mil: um aumento de 71% em relação ao mesmo período de 2011, segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência.

Nos meses de maio e junho o crescimento foi ainda maior, talvez puxado pela aparição de Xuxa no "Fantástico", declarando ter sido abusada na infância. Só nesse bimestre foram ouvidas 22 mil denúncias, alta de 30% em relação ao início do ano.

A repressão à pedofilia no Brasil dá passos --como a ampliação, em maio, do prazo de prescrição para esse crime abjeto no qual a criança é a vítima do desejo de alguém mais forte que ela e, quase sempre, de "confiança".

Mas há quem defenda um trabalho de prevenção por meio de tratamento, cuidados e apoio dispensados ao agressor em potencial.

Um pedófilo não é obrigatoriamente um criminoso. Pode sentir atração por crianças e se manter afastado delas a vida inteira --ou por anos.

Segundo o psicólogo Antônio Serafim, do Hospital das Clínicas de SP, a literatura aponta que 75% dos pedófilos nunca chegam a sair da fantasia para o crime.

"É importante oferecer suporte aos que sofrem do transtorno". Ele diz que os agressores são tipos imaturos e solitários. "A falta de habilidade social acaba os levando a mergulhos cada vez mais profundos na pedofilia."

A pedofilia é classificada como uma desordem mental e de personalidade e também como um desvio sexual.

"Se o tratamento, que envolve terapia e medicamentos, for iniciado no tempo adequado, com técnicas adequadas e por profissionais preparados, melhoras consideráveis e até a cura poderão ser alcançadas", afirma José Raimundo Lippi, que é psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Prevenção e Tratamento das Ofensas Sexuais.

Surgiram iniciativas de apoio a pedófilos latentes em vários países. No Reino Unido e na Irlanda, o grupo Stop It Now! disponibiliza um número de telefone para quem tem consciência de seu problema e precisa de ajuda para continuar inofensivo.

DIFERENTES PERFIS





Na França há a L'Ange Bleu, fundada por Latifa Bennari, franco-argelina de 61 anos que não tem formação em psicologia, mas tem vasta experiência no assunto.

A associação é polêmica: em vez de dar assistência às vítimas, concentra-se no apoio aos pedófilos. Mas antes de fundá-la Bennari ajudou, durante 30 anos, pessoas traumatizadas por abuso sexual na infância.

Segundo ela, era comum a vítima pedir um encontro com seu agressor, para confrontá-lo e tentar seguir em frente. "Nesses grupos, fui percebendo vários perfis. Há o que não sente remorso, mas há o que sabe que tem algo errado com ele", conta.

"A pedofilia aparece cedo, mas as agressões demoram para acontecer. Durante anos conseguem se controlar, mas um dia a oportunidade surge e alguns cedem", diz Bennari, que trabalha com conhecimento de causa: ela foi abusada por um empregado da família dos cinco aos 13 anos.

O objetivo da sua entidade, diz, é apoiar os que têm conhecimento de seu transtorno, mas que, por consciência do mal que podem causar ou pelo simples medo da prisão, nunca realizaram seus desejos e precisam de ajuda para continuar inofensivos.

A L'Ange Bleu encaminha pessoas para consultas com psiquiatras, promove reuniões entre pedófilos em potencial e vítimas de pedofilia e até dá suporte jurídico a agressores, preservando a identidade dos participantes.

No Brasil não existe nada do tipo. Mas há o Centro de Estudos Relativos ao Abuso Sexual, em São Paulo, que atende famílias incestuosas.

"Fazemos ações anteriores ao aparecimento da patologia. A família incestuosa é uma fábrica de ofensores sexuais: ali são produzidos futuros pais incestuosos, pedófilos, estupradores etc. Trabalhar com essas famílias é fazer a prevenção primária desse grave problema de saúde pública", explica Lippi.

INVERSÃO DE PAPÉIS

Iniciativas como a da associação francesa são alvo de críticas. Nesse modelo de prevenção os pedófilos seriam vitimizados além da conta.
É o que pensa a psicanalista Lekissandra Gianis, filiada à Escola de Psicanálise do Rio de Janeiro. Para ela, ajudar as crianças é mais urgente: "A prioridade deve ser dada às vítimas, que vivem no limiar do surto psicótico".

Um caminho não invalida outro, segundo especialistas.


"Todo trabalho que vai na direção de intervir nas agressões sexuais é válido. Tratar o agressor em potencial seria positivo também para os profissionais, que teriam mais experiência nesse transtorno", opina a psicanalista Fani Hisgail, autora de "Pedofilia - Um Estudo Psicanalítico" (Iluminuras). Mas ela ressalva que tratar um pedófilo é muito complexo. "Primeiro ele tem que reconhecer seu problema e querer se tratar."

A L'Ange Bleu teve um início difícil. Em 1998, desejando chamar atenção para a causa, Bennari foi a um congresso de psicologia expor seu ponto de vista.

Rejeição unânime. "Todos me chamaram de louca, disseram para não focar no pedófilo, e sim na vítima. O objetivo era justamente evitar vítimas, mas disseram não ser politicamente correto. Achavam impossível um pedófilo sair das sombras antes de virar criminoso", lembra.

Hoje, num dia normal, Bennari atende em média sete novos pedófilos em potencial.

Nos EUA, dois pedófilos que se conheceram na rede criaram o site "Virtuous Pedophiles", que tenta mostrar ao mundo que um pedófilo pode ser inofensivo. Ethan*, como se apresenta um deles, diz que ninguém, exceto seu terapeuta, sabe de seu problema: "As pessoas nos odeiam", justifica.

"Os profissionais não estão preparados para lidar com esses pacientes. Interrompem o tratamento assim que o pedófilo se assume. Acreditam que cedo ou tarde seremos todos criminosos. Até mesmo terapeutas espalham que todos os pedófilos são abusadores, embora nem todos os abusadores sejam pedófilos", diz Ethan.

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