Com mais de quatro milhão de utilizadores em Portugal e mais de oitocentos milhões em todo o mundo, o Facebook é uma rede social que permite encontros que provavelmente não se dariam na vida real. O atrativo erótico está no seu potencial máximo, a comunicação escrita é rápida, e o facto de se dizer sem olhar nos olhos do outro acende o imaginário e permite desinibições ousadas e eficazes. Há casamentos que não resistem a encontros na rede de Mark Zuckerberg, há quem deixe de estar sozinho, há facadinhas em matrimónios que não passam disso mesmo. Há relações para todos os gostos. E uma coisa é certa: há muito sexo na rede.
Casamentos desfeitos, by Facebook
A casa parece manca. Há espaços que ficaram subitamente vazios, a cama grande de mais para um corpo só, a moldura sem fotografia dentro, pousada na mesinha de cabeceira, estantes desprovidas dos livros que antes as faziam abaular.
Marta (nome fictício), 41 anos, também parece incompleta. Desigual. Está triste e não faz o mínimo esforço para disfarçar. Os filhos estão na escola e ela tem um camisolão largo vestido, umas calças de ganga velhas e uns chinelos. Pede desculpa pela indumentária, desaba no sofá com um suspiro que lhe vem de muito dentro, e é impossível não reparar nas meias circunferências negras que lhe sublinham os olhos e que gritam a sua miséria.
Foi há três meses que ele saiu de casa. Marta tem esse momento impresso no cérebro e está como que tolhida por essa imagem, sem conseguir andar para a frente. «Todos os dias me lembro do dia em que ele saiu por aquela porta e deu cabo de 15 anos de um casamento que eu achava feliz.»
A culpa, garante Marta, foi do Facebook. «Toda a gente diz que a culpa tem de ter sido minha, também, que de certeza que a nossa relação já não estava bem, que se calhar me descuidei, que nos deixámos cair na rotina, que talvez não lhe tenha dado sexo com fartura, que não dei atenção aos sinais. E eu digo e repito: estava tudo bem ou, pelo menos, assim parecia. Namorávamos, passeávamos, sempre nos demos bem, e a cama também nunca esmoreceu. Ok, não fazíamos amor todos os dias... Mas, caramba, estávamos casados há 15 anos!»
Quinze anos de casamento, dois filhos, duas casas, uma em Lisboa, grande e bonita (se bem que agora manca), e outra no Algarve. Uma família que todos diriam feliz. Até que ele começou a ficar cada vez mais tempo agarrado ao computador. No início ela não ligou. Até achou graça. Afinal, era uma descoberta tardia com o consequente deslumbramento. «Ele nunca tinha ligado nenhuma ao Facebook e até fui eu quem insistiu. Lembro-me de lhe ter chamado totó imensas vezes porque ele nem sequer tinha conta e, mesmo quando passou a ter, não sabia mexer naquilo, não ligava, ficava que tempos sem lá ir.»
O pior foi que o seu entusiasmo tardou mas deu-lhe forte. Começou a acumular «amigos» e foi como se uma janela enorme se tivesse aberto na sua vida. Estava eufórico. Falava dos amigos reencontrados, recordava outros tempos, e de repente parecia que a vida real não lhe chegava. «Era como se aquela realidade paralela, virtual, que remetia para o passado, fosse mais interessante do que a vida real, a nossa, a de todos os dias.»
E o interesse aumentou com a descoberta de uma ex-namorada. Marta tornou a não dar muita importância. Afinal, também ela tinha no seu grupo de «amigos» alguns namorados de antigamente. «Toda gente tem», garante. «E até compreendi, perfeitamente, que ele tivesse essa curiosidade. Acho que sentia a nossa relação tão segura que nem pus a hipótese. Se calhar, se tivesse sido mais cautelosa, isto não teria acontecido.»
Mas aconteceu. Durante um ano ele foi-se perdendo dela, sumido para dentro de um ecrã. As discussões aumentaram, a distância que não havia - ela, pelo menos, garante que não havia - criou-se. Ele começou a ter trabalho até tarde, jantares da empresa e uma noite não veio dormir. «Sempre disse à boca cheia que não toleraria que ele não viesse dormir. Mas tolerei. Assim como tolerei que me dissesse que tinha dormido com ela. Que era só sexo e mais nada. Que não voltava a acontecer. E depois tolerei quando descobri que tinha voltado a acontecer. Tolerei porque achei que se lhe passasse o devaneio talvez a nossa vida pudesse voltar ao que era. Tolerei porque... oh, tolerei porque sou uma parva. Uma burra. E perdi-o na mesma.»
Ana Alexandra Carvalheira, psicóloga clínica e presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica (SPSC), também acredita que não é preciso que a relação esteja a viver um mau momento para que o Facebook dê cabo do resto. «A relação até pode ser feliz e saudável. Só que esta rede social é muito rápida. Tudo é fácil e imediato. As pessoas reencontram outras e entram em contacto. Ora, a comunicação escrita permite a idealização do outro. É muito fácil sonhar o outro, sonhar uma situação... não o estamos a ver e, assim à distância, o outro pode ser perfeito. E, de repente, há uma erotização do outro. E quase sem que se deem conta, as pessoas estão envolvidas. Depois, ao procurarmos amigos do passado ou ex-namorados, estamos à procura de sentimentos antigos, estamos à procura do que nós éramos, do que vivemos. E alimentamos essa nostalgia, essas saudades de um tempo que passou mas que, se calhar, até pode voltar.»
No caso de Pedro (nome fictício) voltou mesmo. Quinze anos de casamento e dois filhos não foram suficientes para o fazer ficar no presente. «Resta saber se o passado o vai fazer mais feliz ou se, passada a excitação inicial, vem o arrependimento. Mas aí já será tarde de mais», desabafa Marta que já tolerou mais do que podia imaginar.
A presidente da SPSC, que já recebeu no seu consultório bastantes casos de relações amorosas desfeitas (ou em apuros) por causa do Facebook, não descarta a hipótese do desencanto. «A idealização do outro pode ser tão diferente da realidade que essa desilusão é possível, claro que sim. Além disso, como a comunicação e a intimidade são muito rápidas, não se pode falar num conhecimento efetivo daquela pessoa. Pode haver intimidade na internet, porque a intimidade pressupõe que eu me sinta validada e compreendida e isso acontece, mas conhecer as pessoas a fundo acontece depois, na vida real. E aí, sim, pode haver lugar à desilusão.»
Facadinha no casamento, by Facebook
Sofia (nome fictício), 30 anos, torna a pedir, pelo amor da santa mãe e das alminhas, que o seu nome verdadeiro não apareça na reportagem. Em jeito de brincadeira promete até retaliações físicas para o caso de algum deslize: «Eu juro que descubro onde mora!» Não era preciso tanto, garantimos. Mas o caso não é, afinal, para menos. Sofia é casada, jura que bem casada (e pelas fotos do Facebook lá garboso é o cônjuge!), mas isso não a impediu de dar uma facadinha no matrimónio com um amigo que não via há muito mas com quem sempre existiu, no passado, uma aura de romance nunca concretizado: «Foi preciso existir o Facebook para darmos o passo que nunca demos.»
Depois de se reencontrarem e começarem a falar, o clima avançou rapidamente. Ele a dizer que ela estava linda, ainda melhor do que antigamente. Ela a achar o mesmo. Os dois a jogarem o perigoso e estimulante jogo da sedução. «Em pouco tempo percebi que estávamos envolvidos. Excitava-me imenso a ideia de ir para a net e encontrá-lo online. Já vivia a antecipação de o encontrar, de coração aos saltos. Quando o via online e ele não dizia nada ficava triste. Como se o meu dia já não fosse igual. Claro que, também em pouco tempo, começámos com dirty talk no chat. Eu fazia-te, eu acontecia-te se estivesses aqui agora... Aquelas conversas supereróticas deram outro colorido à minha vida.»
Até que um dia o erotismo à distância passou a sexo puro e duro. Sofia e o amigo combinaram encontro num hotel desses que servem para isso mesmo, e puseram fim a anos de expetativas adiadas. «O quarto tinha uma cama redonda e espelhos por todo o lado e foi exatamente como tinha imaginado. Sexo selvagem e maluco, sem amor. Só dois corpos famintos um do outro. Foi mesmo bom! E sabe? Sem qualquer peso na consciência. Porque eu amo o meu marido e jamais me passaria pela cabeça trocá-lo por este amigo de longa data. Foi só o que foi: sexo. As mulheres também gostam de one night stand (relações de uma só noite).»
Sofia garante que conseguiu manter a relação extraconjugal nesse patamar, sem a deixar crescer e tomar conta de outros espaços. O marido nunca se apercebeu de nada e o casamento continuou, talvez ainda mais feliz do que antes. «Cumpri uma fantasia que tinha mas compreendi que era só isso. Nunca misturei as coisas. O amor que tenho pelo meu marido está num campeonato à parte.»
Para a psicóloga Ana Alexandra Carvalheira a história de Sofia faz todo o sentido, à luz do contexto social que vivemos: «Estamos num momento da História em que as pessoas querem realizar-se a nível amoroso e sexual. E querem essa realização já, no imediato. Ora, a internet permite isso. O Facebook permite isso. Por outro lado, nesse contexto de transformações a nível social há mulheres que procuram uma one night stand, sem consequências.»
A presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica vai mais longe, para falar de outros casos: «Tomemos o exemplo de mulheres mais velhas, a partir dos 50 anos, que não têm parceiro, seja porque ficaram viúvas, seja porque nunca casaram, ou porque são divorciadas. Onde é que elas podem encontrar parceiro? Vão sozinhas para um bar beber copos? Vão para um banco de jardim? Não. Vão para grupos desportivos, escolas de dança e, claro, vão para a internet e para o Facebook.»
Do mesmo assunto fala Cláudia Morais, psicóloga clínica e autora do livro O Amor e o Facebook (Oficina do Livro): «Já conheci senhoras com 60 e tal anos que reencontram no Facebook o teenage sweet hear(namoradinho da adolescência) e veem naquele reencontro a possibilidade de viverem a sua própria vida. Uma vida que lhes foi vedada por relacionamentos muitas vezes amargos, ou por uma vida exclusivamente dedicada aos filhos.»
A vida facilitada de um pinga-amor, by Facebook
Não se sabe se é tudo verdade ou se há muita gabarolice à mistura. Alguns amigos juram a pés juntos que o Pedro (sim, adivinhou, o nome é fictício, que isto de confessar devaneios sexuais em revistas requer algum recato) tem mesmo uma vida carnal desmedida, que praticamente tudo o que é «amiga» no Facebook já lhe conhece os sinais mais recônditos do corpo. Ele ri-se e confirma. «Digamos que o meu conta-quilómetros já deu a volta...»
Pedro tem 27 anos e diz que o Facebook é o seu guia. Além dos amigos propriamente ditos, que herdou da vida real, tem as amigas, que «angaria» (palavras do próprio) de outros amigos. «Ando sempre à coca de miúdas giras. Vejo as fotos, adiciono, e depois é meter conversa, ou seja, lançar o isco. A maior parte morde e deixa-se apanhar. É muito fácil e por isso é que a coleção é tão grande. Há muita mulher insatisfeita por aí. E para isso é que está cá o Pedro.»
A maior parte do que diz, suaviza de seguida com um «Não ligues, estou a brincar». Por isso é que fica difícil saber a percentagem do que é a sério e a percentagem do que é pura ficção. Porém, ao dar uma vista de olhos ao seu mural percebe-se que há muito peixe às voltas perto do anzol. Agradecimentos por «uma noite especial», «quando é que tomamos o tal café?» e muitos sorrisos e cumplicidades que não parecem rivalizar entre si. «É sexo. Só. Não ando à procura de amor. Tive uma namorada muitos anos, não fui fiel, e agora não me apetece um relacionamento sério. Acho que sou diletante por natureza e o Facebook serve-me na perfeição. A sério, é que nem preciso de sair à noite. No Face dá muito menos trabalho. É canja.»
Uma canja que é, para a presidente da SPSC, simples de explicar: «O jogo erótico é mais rápido, saltam-se até algumas etapas e há a perceção de uma escalada de intimidade muito mais veloz. As pessoas sentem-se íntimas muito rapidamente.» Além disso, explica Ana Alexandra Carvalheira, tem tudo que ver com a diversidade de graus de compromisso que se pretende: «Neste contexto social em que vivemos, há quem queira um relacionamento com um compromisso muito forte, menos forte ou totalmente inexistente. E no Facebook há de tudo, para todos os gostos.»
Para a psicóloga, de resto, o amor hoje é mais difícil do que nunca. «Queremos alguém que encaixe. Que seja a nossa cara-metade. Que nos acompanhe a nível cultural, profissional, socioeconómico... Que queira ter cinco filhos, como nós, e não três. Ou que não queira ter filhos. Temos pouca paciência para fazer concessões. E temos pouca paciência (ou nenhuma) para esperar. Queremos alguém, e queremos já. Mais uma vez, o Facebook tem milhões de pessoas, à disposição, à distância de um -olá-, teclado de forma descomprometida.» Daí em diante... é só deixar arder o rastilho.
P&R
Cláudia Morais, psicóloga e autora do livro O Amor e o Facebook (Oficina do Livro)
Tem, na sua experiência clínica, muitos casos de relacionamentos afetados pelo Facebook?
_ Sim. Aparecem-me muitos casos de infidelidade. Pode ser uma infidelidade consciente ou uma infidelidade que nasceu de um momento de fragilidade. É muito fácil trair a partir do Facebook. Quando se reencontra alguém que fez sentido para nós, há vários anos, pode nascer ali uma chama qualquer. Ou então, se estivermos numa má fase da vida, às tantas começamos a desabafar com aquela pessoa que, de repente, se torna um ombro amigo. Às vezes é alguém que acabámos de conhecer mas com quem a intimidade cresce de forma galopante.
Porque é que há essa rapidez?
_Porque no Facebook estamos despidos dos pudores que temos socialmente. Ali comunica-se por escrito e, por isso, falta a maior parte dos elementos da comunicação. Não ouvimos a voz, não temos a expressão corporal, não temos o olhar. É muito fácil criarem-se equívocos.
Tem encontrado mais homens ou mulheres que se traem no Facebook?
_Mais homens. Mas a diferença não é tão significativa como seria de pensar. Além disso, os homens são mais frequentemente apanhados em falso do que as mulheres. São muito menos atentos aos pormenores.
É possível que se abra espaço para outra pessoa, no Facebook, se uma relação for sólida ou acha que isso só acontece no caso de relações já muito desgastadas?
_ Na maior parte das vezes as coisas já não estariam bem. Podia não haver tensões identificadas, mas os dois admitem, a posteriori, que a rotina já estava instalada. Mas também acontece, e não tão poucas vezes quanto isso, que uma relação sólida, satisfatória para os dois lados, de repente é abalada nas suas estruturas por alguém que apareceu no Facebook. E ouve-se frases como: «Até há uma semana eu estava tão bem, tão feliz, e agora dou por mim com o coração acelerado sempre que aquela pessoa aparece online.» É muito fácil. E perigosamente imediato.exo & Facebook
Por Sónia Morais Santos Fotografia de Gerardo Santos/Global Imagens
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