15/09/2011 -
Charo Nogueira
Pedras quentes sobre os seios que começam a crescer. Às vezes usam a madeira de socar cereais, às vezes outros objetos planos, mas sempre quentes. É o achatamento dos seios, pelo qual passa uma em cada quatro meninas em Camarões. As mães e outras mulheres da família são as encarregadas de praticá-lo, acreditando que isso atrasa o crescimento dos peitos de suas filhas e, portanto, as distancia das relações sexuais, consentidas ou não, as protege dos olhares libidinosos dos homens e pode evitar uma gravidez indesejada.
É preciso apertar forte sobre os pequenos seios que começam a se desenvolver. Para cima e para baixo, como se estivesse passando roupa. Mas trata-se de um corpo infantil que é obrigado a suportar a dor desses golpes que danificam os tecidos, causam feridas, abcessos, infeções e, eventualmente, podem causar uma predisposição ao câncer. Isso acontece dia após dia, até que se obtenha o resultado desejado. Às vezes, o método escolhido é a bandagem com tecidos quentes. Costumam ser vários meses de tortura. Trata-se de uma tradição antiga em algumas regiões do oeste da África, e mais conhecida no caso de Camarões, país que chega perto dos 20 milhões de habitantes.
Esta forma de “mutilação feminina”, como é qualificada pela agência oficial de cooperação alemã GTZ, que teve um papel pioneiro ao revelar a prática e lutar contra ela, aflige pelo menos 24% das mulheres de Camarões, segundo a organização. Quanto mais cedo, maior é o risco. “Quanto antes os seios começam a se desenvolver, maior probabilidade de a menina sofrer esta forma de mutilação. Metade das meninas cujos seios começam a se desenvolver antes dos nove anos sofre o achatamento”, afirmou um trabalho de 2007 da GTZ.
O Departamento de Estado norte-americano, em informe sobre os direitos humanos em Camarões em 2010, também falou sobre o problema em termos parecidos e acrescentou que a prática “provoca queimaduras, deformidades e problemas psicológicos”. A agência alemã realizou em 2006 uma ampla investigação com entrevistas com 5.700 mulheres de 10 a 82 anos. O estudo revelou que metade das meninas cujos peitos começam a crescer antes dos nove anos sofre esta prática, mais frequente nas cidades do que no campo. Cerca de 53% das meninas de Duala, a maior cidade do país, foram alvo dela, segundo o estudo.
Com frequência, o doloroso achatamento não atinge seu objetivo de proteger as meninas: muitas ficam grávidas, o que imediatamente as afasta da escola. Elas se casam ou se transformam em mães solteiras. Algumas podem tentar um aborto clandestino (o aborto só é permitido em caso de estupro ou se a saúde da mãe está em risco). Em Camarões, três em cada dez mulheres estão grávidas ou já tiveram pelo menos um filho ao completar 20 anos, segundo a GTZ, e só 26% das mulheres casadas utilizam métodos contraceptivos.
A idade mínima para se casar é estabelecida em 15 anos para as mulheres, mas segundo o informe norte-americano, muitas famílias casam suas filhas aos 12. O relatório também assinala o aumento dos estupros, cujas vítimas têm uma idade média de 15 anos. Além da gravidez precoce, a Aids também é uma ameaça em Camarões. A incidência é alta. De cada mil pessoas entre 15 e 49 anos, 53 são soropositivas, segundo a Organização Mundial da Saúde. A expectativa de vida neste país - com 40% de animistas, a mesma quantidade de cristãos e cerca de 20% de muçulmanos - é de 51 anos.
Alguns especialistas acreditam que por trás da prática do achatamento está o tabu de falar de sexo com os filhos, e que talvez a solução possa vir daí. E é exatamente este um dos caminhos que foram escolhidos para tentar impedir este costume. As tias (“tantines”, no carinhoso diminutivo francês) das meninas são as encarregadas. Não são da família, e sim adolescentes que tiveram gravidez indesejada entre os 12 e 18 anos (algo que se estima que acontece a 21% das meninas).
Inscritas em mais de 250 associações ligadas à organização Renata, cerca de 15 mil jovens receberam formação para educar os adolescentes em saúde reprodutiva e sexual, inclusive em prevenção da Aids. Com o apoio da cooperação alemã, as tantines levaram aos meios de comunicação a campanha “Digam não ao achatamento dos seios”.
Em seu site (www.tantines.org), as ativistas explicam com clareza as causas por trás da sórdida prática do achatamento. “As pessoas acreditam que os seios vão atrair os homens, que os seios vão fazer com que as meninas tenham relações sexuais precoces que podem engravidá-las, que as meninas podem crescer normalmente e continuar seus estudos depois do achatamento, que as meninas se livrarão da vergonha por já terem peitos”, explicam.
Elas também abordam as consequências de uma prática que “causa muita dor e pode destruir os seios totalmente”, causar um forte trauma e provocar problemas fisiológicos.
De cidade em cidade, de bairro em bairro, elas pregam contra uma prática que destrói a puberdade feminina e cujo segredo está se rompendo pouco a pouco.
Charo Nogueira
Pedras quentes sobre os seios que começam a crescer. Às vezes usam a madeira de socar cereais, às vezes outros objetos planos, mas sempre quentes. É o achatamento dos seios, pelo qual passa uma em cada quatro meninas em Camarões. As mães e outras mulheres da família são as encarregadas de praticá-lo, acreditando que isso atrasa o crescimento dos peitos de suas filhas e, portanto, as distancia das relações sexuais, consentidas ou não, as protege dos olhares libidinosos dos homens e pode evitar uma gravidez indesejada.
É preciso apertar forte sobre os pequenos seios que começam a se desenvolver. Para cima e para baixo, como se estivesse passando roupa. Mas trata-se de um corpo infantil que é obrigado a suportar a dor desses golpes que danificam os tecidos, causam feridas, abcessos, infeções e, eventualmente, podem causar uma predisposição ao câncer. Isso acontece dia após dia, até que se obtenha o resultado desejado. Às vezes, o método escolhido é a bandagem com tecidos quentes. Costumam ser vários meses de tortura. Trata-se de uma tradição antiga em algumas regiões do oeste da África, e mais conhecida no caso de Camarões, país que chega perto dos 20 milhões de habitantes.
Esta forma de “mutilação feminina”, como é qualificada pela agência oficial de cooperação alemã GTZ, que teve um papel pioneiro ao revelar a prática e lutar contra ela, aflige pelo menos 24% das mulheres de Camarões, segundo a organização. Quanto mais cedo, maior é o risco. “Quanto antes os seios começam a se desenvolver, maior probabilidade de a menina sofrer esta forma de mutilação. Metade das meninas cujos seios começam a se desenvolver antes dos nove anos sofre o achatamento”, afirmou um trabalho de 2007 da GTZ.
O Departamento de Estado norte-americano, em informe sobre os direitos humanos em Camarões em 2010, também falou sobre o problema em termos parecidos e acrescentou que a prática “provoca queimaduras, deformidades e problemas psicológicos”. A agência alemã realizou em 2006 uma ampla investigação com entrevistas com 5.700 mulheres de 10 a 82 anos. O estudo revelou que metade das meninas cujos peitos começam a crescer antes dos nove anos sofre esta prática, mais frequente nas cidades do que no campo. Cerca de 53% das meninas de Duala, a maior cidade do país, foram alvo dela, segundo o estudo.
Com frequência, o doloroso achatamento não atinge seu objetivo de proteger as meninas: muitas ficam grávidas, o que imediatamente as afasta da escola. Elas se casam ou se transformam em mães solteiras. Algumas podem tentar um aborto clandestino (o aborto só é permitido em caso de estupro ou se a saúde da mãe está em risco). Em Camarões, três em cada dez mulheres estão grávidas ou já tiveram pelo menos um filho ao completar 20 anos, segundo a GTZ, e só 26% das mulheres casadas utilizam métodos contraceptivos.
A idade mínima para se casar é estabelecida em 15 anos para as mulheres, mas segundo o informe norte-americano, muitas famílias casam suas filhas aos 12. O relatório também assinala o aumento dos estupros, cujas vítimas têm uma idade média de 15 anos. Além da gravidez precoce, a Aids também é uma ameaça em Camarões. A incidência é alta. De cada mil pessoas entre 15 e 49 anos, 53 são soropositivas, segundo a Organização Mundial da Saúde. A expectativa de vida neste país - com 40% de animistas, a mesma quantidade de cristãos e cerca de 20% de muçulmanos - é de 51 anos.
Alguns especialistas acreditam que por trás da prática do achatamento está o tabu de falar de sexo com os filhos, e que talvez a solução possa vir daí. E é exatamente este um dos caminhos que foram escolhidos para tentar impedir este costume. As tias (“tantines”, no carinhoso diminutivo francês) das meninas são as encarregadas. Não são da família, e sim adolescentes que tiveram gravidez indesejada entre os 12 e 18 anos (algo que se estima que acontece a 21% das meninas).
Inscritas em mais de 250 associações ligadas à organização Renata, cerca de 15 mil jovens receberam formação para educar os adolescentes em saúde reprodutiva e sexual, inclusive em prevenção da Aids. Com o apoio da cooperação alemã, as tantines levaram aos meios de comunicação a campanha “Digam não ao achatamento dos seios”.
Em seu site (www.tantines.org), as ativistas explicam com clareza as causas por trás da sórdida prática do achatamento. “As pessoas acreditam que os seios vão atrair os homens, que os seios vão fazer com que as meninas tenham relações sexuais precoces que podem engravidá-las, que as meninas podem crescer normalmente e continuar seus estudos depois do achatamento, que as meninas se livrarão da vergonha por já terem peitos”, explicam.
Elas também abordam as consequências de uma prática que “causa muita dor e pode destruir os seios totalmente”, causar um forte trauma e provocar problemas fisiológicos.
De cidade em cidade, de bairro em bairro, elas pregam contra uma prática que destrói a puberdade feminina e cujo segredo está se rompendo pouco a pouco.
Tradução: Eloise De Vylder
Nenhum comentário:
Postar um comentário