domingo, 4 de setembro de 2011

Prendas do Lar

POR BRUNO ASTUTO
Rio - Não vou aqui bancar o careta moralista, porque todo mundo gosta de sexo e, quando ele é bom, a pele fica que é uma beleza. Mas, zapeando os canais de TV e folheando as revistas em geral, já reparou como a performance sexual virou uma obsessão planetária? ‘Segredos para dominar na cama’, ‘Guia da disfunção erétil’, ‘Transforme seu quarto em alcova’, ‘Dicas para não dormir sozinho’ são alguns dos títulos com que me deparei na banca, em letras garrafais. A julgar pela sofisticação desses ‘segredos’ e ‘dicas’, o velho Kama Sutra parece conto de fadas, de tão inocente.

Uma leitora perguntou num desses consultórios de revistas, preocupadíssima, por que não consegue mais atrair o marido, já que a frequência com que faziam sexo tinha diminuído de sete vezes por semana para cinco. O médico escreveu que não havia o menor problema nisso, que o casal até era bem sadio e ativo para os padrões mundiais, mas diante do tom da pergunta, não acredito que ela tenha se dado por satisfeita.

Outra reportagem aconselhava as leitoras a viverem em eterna festa. Nada de ‘roupas de casa’; dentro de casa, os cabelos devem estar permanentemente penteados e brilhosos, os vestidos, deslumbrantes, a maquiagem, sempre em dia e, de preferência, que tal ele nunca desconfiar de que ela vai ao banheiro? Talvez a autora desconheça a delícia que é de vez em quando ficar com um moletonzinho sem sal, com as pernas cruzadas entre as pernas dele vendo TV com um coque mal feito e tomando sorvete. Detalhe: é preciso saber que, no dia seguinte dessa sessão de desleixo, recomenda-se aparecer deslumbrante, como diva do cinema, só para lembrar a mulher maravilhosa que você é.

Foi-se o tempo, com certo alívio, em que as revistas femininas ensinavam a fazer receitas, a remendar uma calça e a se atualizar sobre as últimas novidades dos produtos de limpeza — se a mulher sabe hoje realizar essas verdadeiras proezas, é para uso próprio e olhe lá. Mas outro dia um amigo casado me contou, todo orgulhoso, que sua mulher pregou um botão de uma camisa sua que foi uma beleza, que ele quase desmaiou de emoção porque desconhecia esse dote e, completou exagerado, que sentiu tanto prazer quanto numa noite de sexo selvagem. “Mas é a primeira e última vez, hein”, avisou ela.

Ex-escravas do lar, as mulheres tomaram ojeriza às prendas domésticas. E reza a lenda que o maior instrumento de libertação feminina não foi a pílula anticoncepcional, mas o micro-ondas e o delivery de comida por telefone. Folheando as páginas de estética e sexualidade das revistas, a gente vê que a escravidão só trocou de senhor, e saiu da cozinha para o quarto. “Seja uma esposa diferente a cada dia da semana”, ensina uma revista americana — imagine a trabalheira.

A mulher que se recusa a passar uma aguinha num prato de vez em quando, a preparar o prato preferido dele e a dar uma revisada no armário do marido para ver se está tudo nos conformes age, inconscientemente, em honra da memória daquelas que não podiam votar, casar-se com o homem de sua escolha, divorciar-se quando o amor acabasse e usar uma sainha mais curtinha se lhe desse na telha. Enfim, dão um basta à exploração masculina.

Mas, um belo dia, a natureza lhe dá de presente filhos homens. Daí ela vai jogar pelos ares a memória das guerreiras de outrora e fazer exatamente o contrário do que apregoava em seu discurso. E até chorar quando se oferecer para fazer uma bainha e eles desdenharem: ‘Ah, mãe dá um tempo, não enche o saco’. A vida é dura para as mulheres e ai de quem tentar entendê-las. É dura a vida da bailarina. Beijo, me liga, até amanhã.

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