domingo, 22 de maio de 2011

Sexualidade é vista de forma pejorativa

Sexualidade é vista de forma pejorativa
André Simões
Com 20 anos de profissão, a psicóloga clínica Eliany Mariussi, 42, começou a se interessar pelo tema da sexualidade ainda em seu último ano de graduação na UEM. Se ainda hoje o assunto é tabu, na época havia ainda mais dificuldade para colocá-lo em pauta. Quando a então estudante propôs apresentar seu projeto de conclusão de curso nessa área, houve grande resistência acadêmica.

Como Eliany se mostrou determinada, a solução proposta pelos professores foi que seu projeto sobre sexualidade viesse como um adicional, não a eximindo de fazer também um trabalho em outro tema. Jornada dupla. "Eu aceitei o desafio. Na época ninguém trabalhava com isso na faculdade", diz.

Desde então, a psicóloga se especializou na área da sexualidade. Em sua clínica, atende principalmente homens e mulheres que apresentam alguma disfunção sexual e querem auxílio para lidar com a questão. Com a experiência de trabalho, percebeu que muitos dos problemas apresentados por adultos têm raízes na infância e adolescência.

Daí veio a motivação para escrever seu primeiro livro, "Educação Sexual Começa em Casa", lançado em novembro do ano passado. Na quarta-feira, Eliany participou de um evento promovido por O Diário na Escola em parceira com o Colégio Marista e concedeu entrevista para o jornal. Leia a seguir os principais trechos:



Eliany Mariussi
"O assunto está escancarado, mas quando precisa ser dito algo de positivo, não acontece. São sempre os temas assustadores, gravidez indesejada, aids, pedofilia"


"O papel da mãe é o de orientação, não o de ser amiguinha. Há que se colocar limites, mas essa orientação deve vir da conversa, nunca da imposição de dogmas. Se há repressão, se fecha uma porta"

O Diário - É difícil para uma psicóloga trabalhar com foco em sexualidade, um tema ainda visto como tabu?

Eliany Mariussi - Sempre há certa resistência, no começo me senti muito só. Mas quanto mais fui me aprofundando em cursos e estudos, adquiri a convicção de que a sexualidade é um assunto lícito, da natureza humana. Ganhei força com essa certeza. Faço muitas palestras sobre o tema e percebo que as pessoas ficam curiosas, mas têm receio de falar, é como se um fantasma ficasse rondando. Elas querem mais é ouvir. Então é nesse sentido que eu ainda me sinto um pouco só: eu faço uma palestra e não há uma interação maior. Isso exige descontração do palestrante, brincar um pouquinho. Para falar de forma séria, não é preciso ser rígido.


O Diário - Qual o aspecto mais problemático da maneira como a sexualidade é tratada no senso comum?

Eliany Mariussi - A sexualidade é geralmente tratada de maneira pejorativa. Sempre que vão falar sobre o assunto é sobre pedofilia, prostituição, doenças sexualmente transmissíveis. Isso assusta, falta uma visão mais educativa. Alguns programas de televisão ainda tentam proporcionar um pouco mais de reflexão e informação, mas passam de madrugada, num horário inacessível para a maioria. Insisto que o sexo é da natureza humana, mas as pessoas não desenvolvem isso. Somos educados para outras dimensões, como intelectual, material, familiar, financeira, até religiosa, mas não há a mesma ênfase na educação sexual, existe um grande preconceito. A educação é falha em um coisa básica da vida.


O Diário - Há uma idade certa para começar a falar com as crianças sobre sexo?

Eliany Mariussi - Os pais devem falar de sexualidade – não de sexo, necessariamente. O assunto deve ser tratado sempre dentro da compreensão da idade. Uma criança de quatro anos não vai querer saber sobre iniciação sexual, mas pode ficar incomodada quando os pais se trancam dentro do quarto. Então deve ser explicado que os pais estão namorando, que é um momento só para adultos, e depois pode haver mais conversa. Deve se ter cuidado para perceber o que a criança quer saber e por quê. Se ela pergunta, é porque está pronta para a resposta. E a educação sexual não se esgota, é para toda a vida, passa por viúvos, casais em segundo união. Mesmo os pais, quando educam os filhos, estão se educando. Somos de uma geração sem educação sexual, frutos da desinformação.


O Diário - E em pleno século XXI, com informação abundante e acesso à Internet, ainda é difícil para os pais falarem sobre sexualidade com os filhos?

Eliany Mariussi - De forma educativa e respeitosa, sim. O assunto está escancarado, mas quando precisa ser dito algo de positivo, não acontece. São sempre os temas assustadores, gravidez indesejada, aids, pedofilia. Não se fala sobre as coisas boas de um relacionamento, sobre como é bom depois que a gente transa com a pessoa de que gostamos, passamos o dia inteiro bem.


O Diário - Embora as críticas sobre falta de educação sexual sejam constantes, alguns programas estatais que abordam diretamente o assunto foram muito contestados. Um caso notório foi quando, em 2007, o governo federal distribuiu, para estudantes de escolas públicas, cartilhas de orientação de saúde contendo páginas para anotar as "ficadas mais espetaculares". A sra. acha que esse tipo de ação incentiva a promiscuidade sexual?

Eliany Mariussi - Não lembro exatamente desse caso. Mas vejo que, em geral, as pessoas preferem atacar a buscar espaços e diálogos.


O Diário - Mas como a sra. analisa, de maneira geral, os programas de educação sexual do governo?

Eliany Mariussi - A meu ver, as aulas de educação sexual deveriam ser obrigatórias em todas as escolas. Hoje em dia, são opcionais. Penso que isso já é um começo, um avanço, mas os pais devem incentivar no currículo escolar essa obrigatoriedade. A escola recebe pessoas em plena formação, e os professores simplesmente não sabem lidar com sexualidade. Muitos alunos são punidos, suspensos, por questões em que deveriam ser orientados. Eu mesma recebo muitos convites para dar palestras de educação sexual em colégios e sempre recuso. Oferecem uma hora, uma hora e meia, acho isso desrespeitoso. Como falar em tão pouco tempo para pessoas que estão com todas as situações explodindo? A educação sexual exige aulas semanais, com horário próprio. Na verdade, quando me convidam para fazer essas palestras de uma hora e meia, devolvo o convite dizendo que aceito, desde que fale com os professores, não com alunos. São os professores que lidam com os conflitos.


O Diário - A sra. ministra palestras para grupos da Igreja Católica. Como trabalhar para uma instituição muitas vezes vista como repressora da sexualidade, que não aceita, por exemplo, o uso da camisinha?

Eliany Mariussi - A Igreja Católica tem restrições, mas também tem muitas coisas boas. Faço trabalhos geralmente orientando jovens que estão se casando, mostro como é importante manifestar desejo sexual pelo parceiro, falo sobre como se relacionar. Como as palestras são curtas, acabo não entrando no mérito da camisinha, até porque, dentro do casamento, muitas vezes isso não acontece. Mas nunca foi contestada por falar demais nessas palestras para a igreja, pelo contrário. Sempre demonstraram um respeito muito grande.


O Diário - Em que ponto o canal de comunicação entre pais e filhos sobre sexo deixa de ser saudável para ser invasivo? É normal uma filha que conta para a mãe sobre a pessoa com quem transou na ficada da noite anterior?

Eliany Mariussi - Essa é uma situação em que podem se ver coisas boas e outras não tão boas. Se a filha confia na mãe para dizer coisas íntimas, isso é um ponto positivo. Só que o papel da mãe é o de orientação, não o de ser amiguinha. Há que se colocar limites, mas essa orientação deve vir da conversa, nunca da imposição de dogmas. Precisa haver muita sutileza, confiança e, principalmente, diálogo. Se acontece a simples repressão, acaba se fechando uma porta importante, quebra-se um vínculo. Agora, que fique claro que conversar com a mãe não pode nunca ser igual a desabafar com uma amiga.
http://maringa.odiario.com/maringa/noticia/394256/sexualidade-e-vista-de-forma-pejorativa/

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