domingo, 5 de fevereiro de 2012

A turma do Viagra


13/12/2010 - 15:12 - ATUALIZADO EM 09/09/2010 - 17:46
A turma do Viagra
Um ano depois de lançada, a pílula que mudou o modo de encarar a impotência sexual é consumida por multidões de brasileiros
ROGÉRIO DAFLON
Casados há três anos, o engenheiro Wilson e a professora Márcia tiveram a primeira relação sexual só em fevereiro passado. Ele com 39 anos, ela com 37, ambos continuaram virgens porque Wilson, ansioso e inexperiente, não conseguia uma ereção completa. Os problemas psicológicos vinculados à longa espera ainda são tratados no divã do analista. Mas a angústia foi sensivelmente abrandada com a providencial ajuda de um agente externo: o Viagra. Wilson precisou de 50 miligramas do remédio, contidas num comprimido, para acabar com o drama que minava sua auto-estima e punha em risco o casamento. "Nunca conseguia ir até o fim", recorda. Para consumar o sexo com a parceira, passou a ingerir a dose de confiança embutida no pequeno losango azul. Seis meses depois da primeira vez, eles ensaiam uma vida sexual sem aditivos. "Já consegui em algumas ocasiões", diz Wilson, que recorre ao Viagra pelo menos uma vez por semana.

Tomar a pílula uma hora antes do ato sexual é um ritual que vai se incorporando à rotina de multidões crescentes de casais desde abril de 1998, quando o Viagra desembarcou nas farmácias dos Estados Unidos. Lançado no Brasil em junho, transformou-se rapidamente numa espécie de intruso nos relacionamentos - para o bem e para o mal. E causou impacto suficiente para ganhar status de medicamento revolucionário. "Nunca um remédio provocou mudanças tão grandes com essa rapidez", diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade, da USP .

Confrontado com a também revolucionária pílula anticoncepcional, surgida no início da década de 60, o Viagra leva vantagem: enquanto a pílula bloqueia um fenômeno fisiológico para impedir a gravidez, o primeiro remédio oral contra a impotência recupera uma função que para muitos homens se perdera havia anos. O tema ainda é tabu. Wilson e Márcia, os personagens que abrem esta reportagem, aparecem com nomes trocados. Falaram a Época sob a condição de não ser identificados. É uma forma de proteção contra os preconceitos que ainda cercam o assunto. O Viagra, no entanto, conseguiu levar a discussão sobre impotência para a sala de visita e para a mesa de bar. Falar do pênis, e de sua fisiologia, deixou de ser motivo de chacota. Para 93% dos especialistas brasileiros ouvidos numa pesquisa realizada pelo laboratório Pfizer, fabricante do produto, um dos efeitos positivos do Viagra foi a abertura de espaço para o debate sobre a "disfunção erétil". Mas a maioria ainda recorre ao segredo - e o hábito é sonegado até mesmo à parceira de cama. 

Devoto da discrição, o engenheiro carioca M.C.C., 39 anos, enfrentou dificuldades para esconder um dos efeitos colaterais do comprimido ao ingeri-lo pela primeira vez. "Meu rosto ficou muito vermelho e todos no trabalho queriam saber a razão", relata o carioca, que só no final do expediente foi ao encontro da namorada. Valeu a pena o constrangimento. "Transamos três vezes naquela noite", festeja. As estatísticas - somadas às evidências de que cresce em progressão geométrica o comércio clandestino de pílulas - mostram o sucesso do Viagra. 

Ao longo dos 12 primeiros meses de comercialização no Brasil, 5 milhões de relações sexuais podem ter sido movidas, real ou psicologicamente, à base de sildenafil, nome do princípio ativo da droga. Na ponta do lápis, isso significa que foram vendidas 13.698 unidades por dia, ou 570 por hora, ou 9,5 por minuto. Nos Estados Unidos, os médicos prescreveram 9 milhões de receitas, que somaram 72 milhões de pílulas vendidas no primeiro ano. Essas são as cifras oficiais. É impossível recensear a multidão de brasileiros que se abastecem com cartelas vendidas sem receita por médicos que as recebem diretamente do laboratório. 

Também não há como mensurar os consumidores de pílulas trazidas por amigos e parentes dos EUA, onde é possível comprá-las sem maiores exigências nas drogarias. Por trás dessa movimentação intensa, multiplicam-se histórias de gente que convivia com o fantasma da impotência ou amargava casamentos sem sexo. Segundo pesquisas realizadas pelo laboratório Pfizer, o Viagra tem se mostrado eficaz em 85% dos casos de disfunção erétil leve ou moderada. Trata-se de uma ótima notícia para uma parcela expressiva da população masculina. 

O estudo mais completo sobre impotência, realizado pela Universidade de Boston, nos EUA, aponta para uma altíssima incidência do problema: 52% dos americanos com mais de 40 anos sofrem de algum tipo de disfunção sexual. No Brasil, por enquanto, não há nenhum estudo similar. É ilusório imaginar que o Viagra funcione como um remédio mágico - sem contra-indicações - que remove qualquer obstáculo no caminho da ereção. Foram detectados novos efeitos colaterais provocados pelo produto, além das dores de cabeça e náusea previstas na bula. O Viagra também expõe fragilidades que rondam relações amorosas. "Ele tem uma ação muito específica. Dá resposta a um problema físico, mas não aos de ordem afetiva", diz a psicanalista Magdalena Ramos, coordenadora do Núcleo de Casal e Família, da PUC-SP. "O Viagra é um paliativo para o desinteresse em relações prolongadas e esgotadas", constata o andrologista Joaquim de Almeida, da Universidade Federal de São Paulo. 

Auto-estima em alta O sucesso dos remédios conhecidos como "lifestyle drugs", as drogas do estilo de vida 

Propecia 
Anunciado como a cura da calvície, o Propecia, da Merck, fechou seu primeiro ano no Brasil, em maio passado, com faturamento superior a US$ 7,4 milhões, o equivalente à venda de 151 mil caixas. Mais de 30 mil homens já haviam provado o remédio, o primeiro tomado por via oral para o problma. Em testes clínicos, a "pílula da calvície" funcionou em 86% dos pacientes cujos fios de cabelo do vértice - a popular coroa de frade - estavam tornando-se escassos.
Preço: R$ 80 (caixa com 30 pílulas) 

Xenical
Lançado no início do ano, foi recebido como a redenção dos gordinhos. A droga, a primeira a combater a obesidade sem afetar o sistema nervoso, elimina 30% da gordura ingerida, transformada em bolo fecal. Mas os pacientes não estão livres de sacrifícios como a prática de exercícios e a contenção à mesa. No primeiro mês no país, foram vendidas 285 mil caixas. Em seis meses, o faturamento mundial foi de US$ 253 milhões. 
Preço: R$ 107 (caixa com 42 pílulas) 

Prozac 
Chegou às farmáciasem 1987, produzidopelo laboratório Eli Lilly. É um antidepressivoque atuacomo inibidor de serotonina, neurotransmissor associado à depressão. Mais de 25 milhõesde pessoas já experimentaram o Prozac, um dosmais vendidos em todo o mundo.No primeiro ano, as vendas chegarama US$ 130 milhões. Hoje, superam US$ 1,6 bilhão ao ano. 
Preço: R$ 64 (caixa com 28 pílulas)


Os especialistas são explícitos: se não houver desejo sexual, o Viagra não produzirá efeitos satisfatórios. Quando o homem é estimulado sexualmente, o cérebro envia sinais que provocam a liberação do óxido nítrico. Essa substância acelera a produção de outra, o GMP cíclico, que dá início à ereção. O Viagra só trabalha desse momento em diante. A suspeita de que o Viagra seria o combustível para a proliferação descontrolada de casos de infidelidade materializou-se apenas parcialmente. "Casamentos marcados pelo ressentimentos e pela hostilidade poderão acabar se o homem se sentir encorajado para novas conquistas", avalia o psicoterapeuta Moacir Costa, que em outubro lançará o livro A Pílula do Prazer. 

"A pílula não substitui a capacidade de amar e de formar vínculos", conclui Costa. "Não cura a impotência da alma." Em contrapartida, um grupo considerável de brasileiros, particularmente entusiasmados com o alto índice de eficácia, vislumbrou no Viagra utilidades insuspeitadas em outros países. Muitos consumidores o transformaram no afrodisíaco da hora, outros tantos o promoveram a talismã. "Só de levá-lo no bolso alguns homens funcionam", diz o urologista Celso Gromatzky, do Hospital das Clínicas, de São Paulo. 

Revolução feminina O primeiro ano do anticoncepcional 

A pílula anticoncepcional começou a ser vendida nos Estados Unidos em 1960 e chegou ao Brasil após um ano. Logo depois de lançado, o medicamento enfrentou forte resistência de setores da sociedade. A Igreja o condenou (e não mudou de posição até hoje). Os médicos encararam a novidade com desconfiança. No Brasil, a legislação impedia que a pílula fosse apresentada como método contraceptivo. Para contornar o impasse, os laboratórios rotularam a pílula de produto para regularizar o ciclo menstrual. "Os médicos mais velhos negavam-se a prescrever o remédio para suas pacientes", lembra Gladis Éboli, gerente de comunicações corporativas da Schering do Brasil. "Argumentavam que era uma interferência nas leis de Deus."


Em suas mil e uma novas utilidades, a pílula azul serve também para aplacar a ansiedade de quem sofre de ejaculação precoce. Os garotões apelam para o remédio, melhoram a performance e, claro, levam a fama. Até mulheres se juntaram à legião de adeptos. Nem o tempo longo de espera para que o efeito se manifeste desencoraja os usuários. Eles invocam a conhecida comparação com um passeio pela DisneyWorld: duas horas na fila para dois minutos de prazer. Não é bem assim. Multiplicam-se relatos dando conta de quatro, cinco horas de ereções, depois dos 60 minutos regulamentares de espera. Nas intermináveis raves, em Londres, o comprimido é mais um ingrediente dos coquetéis químicos que embalam festas. Associado ao Ecstasy, vira uma bomba. Menos explosivo é o consumo, pelos italianos, do sorvete azul, que contém o remédio em sua receita. Em alguns restaurantes parisienses, o Viagra virou tempero de pratos requintados. O Ministério da Saúde francês acabou com a alegria. No Rio de Janeiro, uma confeitaria chegou a vender tortas de Viagra, mas a Vigilância Sanitária proibiu a comercialização do sexo culinário. 

Precursor do uso do Viagra no Brasil - foi um dos primeiros a admitir publicamente o consumo do comprimido azul -, o jornalista gaúcho Paulo Sant'Ana, colunista do jornal Zero Hora, proclama aos 60 anos que o medicamento representa o maior avanço da ciência neste fim de milênio. "É o remédio mais espetacular já inventado", resume. "Devolve a segurança ao homem e provoca felicidade nas mulheres", argumenta o jornalista, que gosta de se auto-intitular "machão". Tanto entusiasmo repercutiu nas páginas da revista americana Newsweek, que reproduziu um artigo escrito por Sant'Ana. 

Em abril do ano passado, ele foi apresentado ao Viagra por um amigo que trouxera dois comprimidos dos Estados Unidos. "Como não me acontecia há 20 anos, depois do orgasmo permaneceu intacta a minha função erétil", revelou aos leitores. A euforia masculina nem sempre é partilhada com as parceiras. Uma das boas piadas em torno do medicamento é a que trata do primeiro caso de overdose de Viagra: um homem tomou 12 pílulas e a mulher morreu. Surpreendentemente, maridos impotentes às vezes são bem-vindos. "Eles fazem o tipo bonzinho e tentam realizar tudo o que a mulher quer para compensar a falta de ereção", explica a psicóloga Luiza Pires, coordenadora do ambulatório masculino do SOSex, mantido pelo Instituto Kaplan, em São Paulo. 

Nesses casos, a mulher desestimula o uso do Viagra para manter o controle da relação. Como pretexto, invocam o preço do medicamento: uma caixa com quatro cápsulas custa em torno de R$ 60. Especialistas acreditam que, para mulheres sexualmente saudáveis, o Viagra foi um prêmio: elas reconquistaram um parceiro efetivo. A secretária paulista Cássia, de 35 anos, incentivou o marido, Ivan, de 45, a experimentar a novidade. "Antes, ia para a cama com um velho de 80 anos", informa. Encontrada a resposta para o problema físico, é a vez das causas psicológicas. É o que aconselha o psicólogo Oswaldo Rodrigues Junior, do Instituto Paulista de Sexologia. 

"Muitos pacientes estão usando o Viagra para conhecer os seus limites emocionais e para entender melhor o próprio desejo", enfatiza Rodrigues, para quem a maioria confunde ereção com desejo. O Viagra ajuda a compreender a diferença, pois só funciona se houver libido. O medicamento também pode induzir a novos temores. Um deles é o medo à dependência. Outro é valorizar exageradamente a ereção, em detrimento da sedução e do afeto. "O Viagra é um ótimo aditivo, quando o motor e o motorista são bons", ressalva Rodrigues. 

Homens na faixa dos 35 anos submetidos ao estresse rotineiro recorrem ao Viagra para prevenir eventuais fracassos. Afinal, por trás da curiosidade existe um batalhão de inseguros. O engenheiro Carlos, 33 anos, faz uso recreativo do Viagra desde seu lançamento. Casado há dez anos, não o dispensa nas aventuras extraconjugais. "Uso para me garantir", admite. Sob o efeito do Viagra, diz ter quatro relações sexuais numa noite. A ressaca é forte. Passa as 24 horas seguintes com enxaqueca. No momento, testa o Vasomax, outro vasodilatador recém-lançado. O entusiasmo por novos medicamentos é condicionado pela ressalva: "Nenhum deles substitui uma boa mulher". 

O Viagra acabou estimulando a busca imediata do tratamento adequado. Antes, os homens levavam em média quatro anos para buscar ajuda. Hoje, pacientes buscam auxílio ao primeiro sinal de impotência. O uso de pílulas nada tem de assustador, ao contrário das traumáticas opções anteriores: injeções no pênis ou próteses. "Hoje só é impotente quem quer", diz o urologista Celso Gromatzky. Seu colega carioca Jaime Toledo, 48 anos, constata uma sensível diminuição na procura por próteses. Casos especialmente graves talvez encontrem alento no best-seller alemão Mulher Solteira Procura Homem Impotente para Relação Séria, da jornalista Gaby Hauptmann. Já foram vendidos 3 milhões de exemplares do livro sobre uma mulher de 30 anos, bem-sucedida, que procura um casamento sem sexo. "Não estou contra o sexo, mas contra as atitudes masculinas diante do sexo", apregoa a autora. Carmen Legg, a protagonista da história, encontra seu par perfeito em David, homem lindo, encantador, inteligente - e impotente. No epílogo da narrativa, porém, ela tenta transformá-lo num super-homem potente. Ela poderá recorrer ao divã. Ele poderá encontrar a solução do problema na farmácia da esquina. 

Verdades e mentiras do losango azul As dúvidas mais comuns sobre o funcionamento do Viagra 

Nos Estados Unidos, nos últimos 12 meses, pelo menos 70 pessoas que tomaram o remédio e tinham problema de coração morreram. O Viagra é um risco à saúde de alguns pacientes?
Não, mas pessoas que estão tomando drogas à base de nitrato (Isordil, Sustrate e Monocordil) não podem ser medicadas com Viagra. A ingestão conjunta das duas drogas pode ocasionar queda de pressão arterial intensa, levando ao enfarte e a outros problemas circulatórios. 

A droga também funciona com mulheres?
Até hoje, nenhum trabalho mostrou de forma conclusiva que o Viagra melhora a resposta sexual da mulher. Sabe-se, porém, que ele eleva a irrigação clitoriana. 

Há homens que sofrem de impotência em virtude de outros problemas físicos. O Viagra funciona com uma pessoa que não tem ereção por ter sofrido uma lesão na coluna, por exemplo?
O medicamento pode ajudar certos homens com esse problema, principalmente quem teve lesão medular alta. Na fase de testes, 80% dos homens com lesões na coluna tiveram êxito com o Viagra contra 68% dos hipertensos e 43% dos que fizeram cirurgia de próstata. 

O Viagra funciona sem desejo sexual, ou sem que haja atração entre os parceiros? 
Não. O Viagra depende do estímulo sexual e por isso é preciso ter desejo. Ele não leva à ereção. Funciona como um facilitador e prolongador da ereção. A droga age bloqueando uma enzima (PDE5) que impede o relaxamento dos músculos dos corpos cavernosos do pênis, o que é indispensável para a ereção. Mas para isso ocorrer é preciso que haja um estímulo vindo do cérebro. Sem desejo, nada feito. 

Um homem saudável que tome Viagra terá ereções mais prolongadas e firmes?
O uso recreativo, para quem tem ereções normais, não deve ser estimulado. Há pessoas que têm graus mínimos de perda da ereção durante a relação sexual. Para elas, a droga apresenta bons resultados. 

Pode-se tomar o medicamento mais de uma vez por dia?
Não é recomendável que seja tomada mais de uma dose diária, sob risco de os efeitos colaterais (náusea, enxaqueca e vermelhidão) ser potencializados. Nunca faça automedicação. Somente o médico sabe qual é a dosagem adequada para cada caso. 

Quem ingerir duas pílulas em lugar de uma terá ereção duas vezes mais firme e com o dobro de duração?
Não, o efeito não é proporcional à dosagem. A dosagem é prescrita de acordo com as características da disfunção erétil do paciente.
 

Consultoria dos urologistas Sidney Glina e Eric Wroclawski e do cirurgião vascular Carlos Augusto Araújo Pintohttp://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI170025-15228,00-A+TURMA+DO+VIAGRA.html

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