domingo, 10 de julho de 2011

"Namorinho de portão" já é coisa do passado

"Namorinho de portão" já é coisa do passado
Publicação: 12 de Junho de 2011 às 00:00

Sara Vasconcelos
Repórter

O bilhetinho escrito no guardanapo entregue no meio da festa. A troca de cartas em papel decorado. O pedido (sim, com todas as letras): "Você quer namorar comigo?". E a espera de alguns dias - para posar de difícil - até a resposta. A sequência de fatos faz parte da maioria dos relatos de início de namoros de pais e mães acima de 40 anos. Atualmente, o guardanapo e o papel de cartas foram trocados por mensagens instantâneas, disparadas por celulares e internet, garantindo maior dinamismo e menos espera para os dois lados. Mas não foram apenas as táticas de conquista que se modernizaram. O tal 'pedido de namoro' - quase em desuso - foi substituído por uma dúvida ou despreocupação em saber dizer quando, de fato, começaram a enamorar. E o relacionamento ganhou um formato mais liberal, inclusive com a permissão de alguns pais para que os apaixonados fiquem no quarto de casa.

As mudanças não param por aí. Há também uma troca de endereço, mesmo que temporária. É assim para a jornalista Jamille Nogueira, 25 anos, que aos finais de semana "se muda" para a casa dos pais do namorado, o produtor cultural Tarso Latorraca Casadei, 27 anos. Ele lembra que a frequencia com que se viam e se falavam dispensou o pedido formal e estão namorando, desde que se conheceram, há dois anos e meio.

O estar inserido não só na vida, como também no ambiente familiar é visto como ponto positivo pelos familiares. "Acredito que essa proximidade nos garante uma intimidade, uma sintonia, evita surpresa. Ele já me vê pela manhã descabelada", brinca a jornalista. Para ele, a proximidade durante o namoro ajuda a não encarar o casamento como um "peso". "O casamento é uma união para me fazer mais feliz e completo. O convívio antes do casamento é fundamental para isso, para conhecê-la melhor, respeitar suas particularidades", disse enquanto confessava não ter dormido na casa da namorada, apesar do acolhimento dos futuros sogros.

A coordenadora de projetos sociais Inês Latorraca, 52 anos, considera essa liberdade dada ao namoro do filho - e impensada na época dela - uma preparação importante para o futuro dos dois. "Prefiro que estejam em casa, fico mais tranquila. Além de ser mais seguro, permite que, como família, nos conheçamos e participemos melhor da relação deles", avalia.

O consentimento dos pais não é sinônimo de desrespeito, garante a dona de casa Ivaneide Alves de Brito Santos, 46 anos, que há cerca de um ano abriu as portas da casa para Adailton Siqueira, 34 anos, namorado da filha, a enfermeira Camila Alves dos Santos, 24 anos. O que permitiu o futuro genro, que mora sozinho, passar o tempo livre na casa da namorada. "Estranhei no início, porque fui criada num sistema bastante rígido, mas hoje prefiro tê-los por perto, dá para orientá-los", observa.

Desde que ficaram noivos, o casal que casa em novembro teve a "bênção" para dormirem juntos. "Mas por opção nossa, mantemos a porta aberta", diz Camila.

Ainda existem amores à moda antiga

Para a enfermeira Isabella Bezerra de Lima, 27 anos, o estilo à moda antiga ainda é mais prazeroso e construtivo. O namoro com o analista de sistema Jamersson Luis Moares, 28 anos, que dura 3,6 anos, começou de forma diferente. Integrantes de uma comunidade católica, antes mesmo do pedido formal de namoro, os pretendentes foram acompanhados por padrinhos para conhecer compatibilidades. Com casamento marcado para novembro, o casal diz ser comum entre os amigos a decisão de aguardar o matrimônio, para ter mais intimidade.

Para o casal, existe diferença em namorar e casar. "O namoro é um momento mais leve, que apesar de conhecimento, não pode ser vivido como um 'testar para ver se vai dar certo'", conclui Izabella. Os pais compartilham da opinião, apesar de considerar exagero a vigilância da comunidade durante a paquera. A mãe, Maria das Graças de Lima, conta que nas poucas vezes em que foi necessário Jamersson dormir em sua casa, a filha precisou mudar de quarto. "É um cuidado. Não sou a favor de muita liberdade no namoro, sob pena de perder o encantamento dessa fase", observa. O pai Israel de Lima, de 66 anos lembra que na época de solteiro, o namoro tinha outra conotação que assegurava maior compromisso.

Bate-papo

"A vontade de namorar, de amar e ser amado, permanece"

As pessoas ainda querem namorar ou buscam companhia pra fugir da solidão?

Apesar das mudanças que ocorrem com o passar do tempo, alguns aspectos do mundo humano são universais e atemporais. A vontade de namorar não parece esvaziada, atravessando diferentes culturas em tempos distintos. Houve algumas modificações nos formatos de namoro, mas a vontade de namorar e o desejo de amar e ser amado parece fazer parte da realidade da maioria das pessoas.

O namoro hoje em dia é menos compromisso?

Namorar pode ter inúmeros sentidos e significados que são construídos a partir da história de vida de cada sujeito. Isto pode implicar um maior ou menor compromisso e pode ter o casamento como vislumbre ou não. O namoro percorre tantas variações quantos universos existentes.

Essa liberdade de dormir juntos na casa dos pais é uma evolução natural nos relacionamentos?

Acredito que a liberdade de dormir juntos na casa dos pais não representa nem evolução nem retrocesso nas relações, é apenas reflexo da sociedade moderna, principalmente no que diz respeito à violência urbana, apontada como principal causa desta nova configuração, que é também conseqüência do exercício mais precoce da sexualidade aliado a uma maior dependência dos pais.

Conversar sobre sexualidade ou até mesmo abrir as portas da casa para acolher os namorados é o ideal?

Dormir na casa dos pais proporciona segurança, algo muito importante em tempos de violência, além das longas distâncias características dos grandes centros. Isso explica uma maior incidência deste comportamento nas cidades maiores. Além disso, conversar sobre sexualidade de forma mais aberta pode ser importante para a troca de informações e a construção de uma maior confiança na vida dos jovens. Para filhos e pais, estas podem ser situações constrangedoras ou difíceis de administrar se não houver um acordo comum e a escolha de ambas as partes e se os pais forem de encontro aos seus valores. Caso contrário, a situação pode ser confortável e ainda trazer ganhos para todos.

Como os pais devem agir e definir limite e liberdade?

Os pais precisam tentar travar diálogos abertos e honestos. É interessante construir uma liberdade regrada, em que estejam claros os espaços de circulação de cada um. O limite e a liberdade são reflexos do movimento e dinâmica de cada família.

É comum ainda se ter receio em assumir que o namoro não é mais como na época dos nossos pais?

Ter vergonha ou não de viver o namoro no formato menos tradicional, vai depender do quão confortável é para cada pessoa. Pode gerar vergonha porque o tema sexo é sempre tabu, independente da forma que é vivido e da época em que é abordado.
http://tribunadonorte.com.br/noticia/namorinho-de-portao-ja-e-coisa-do-passado/185002

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