Qua, 20 de Junho de 2012 18:29
(Correio Braziliense) Ex-presidente da Irlanda (1990-1997) e ex-comissária de Direitos Humanos das Nações Unidas (1997-2002), Mary Robinson é uma das vozes mais ativas nas conferências internacionais no que diz respeito à saúde sexual e reprodutiva feminina. Na Rio+20, não poderia ser de outra forma. A atual integrante do The Elders (o grupo que reúne ex-líderes mundiais) se diz preocupada com a pressão do Vaticano para a retirada do documento final da conferência de toda e qualquer referência a sexo, sexualidade e planejamento familiar em geral. "O que sabem homens celibatários sobre a vida e as decisões de mulheres pobres?", perguntou ela, em entrevista exclusiva ao GLOBO.
Qual o desafio na Rio+20 no que diz respeito à saúde reprodutiva?
MARY ROBINSON: O que nos preocupa em relação à Rio+20 é que haja um retrocesso em relação a textos aprovados no Cairo e aqui mesmo, há 20 anos. Quando textos em um instrumento internacional ficam mais fracos, isso tem um significado político. Em vez de ficar mais fraco, ele teria que ficar muito mais forte. Sabemos que existem 250 milhões de mulheres e crianças que querem ter acesso a contraceptivos, que querem saber mais sobre saúde reprodutiva, que querem entender melhor seus corpos. Isso é um direito humano dos mais importantes. E essa conferência pode enfraquecer ou reforçar esse direito.
De que maneira a saúde sexual e reprodutiva é importante para o desenvolvimento sustentável?
MARY: As mulheres são essenciais para o desenvolvimento sustentável. Pelo menos essa mensagem está clara e está no texto. Temos muitos exemplos, como as mulheres agricultoras que, com acesso a direitos da terra e mais treinamento em uso e informações nutricionais, conseguem uma produção muito maior com consequências positivas. Centenas de milhares de pessoas podem ser tiradas da pobreza e da insegurança alimentar, e parte disso tem a ver com a saúde reprodutiva. Hoje, mulheres na Somália têm seis, sete, oito filhos na esperança de que um ou dois sobrevivam. Nenhuma mulher em pleno século XXI deveria ter de passar por isso.
Há um intenso debate sobre se direitos reprodutivos e saúde sexual devem entrar no documento. Há países que se opõem. O tema ainda é controverso?
MARY: Acho que é preocupante e absurdo. Digo absurdo porque é tão descolado da realidade das vidas das mulheres e também de outra metade da $já aceita por todos. O empoderamento das mulheres é essencial para o desenvolvimento de todos os países e para todas as metas de desenvolvimento sustentável. É preciso haver alguma lógica na abordagem dos temas. Temo que haja influências religiosas dos mais diversos tipos, desinformadas da realidade da vida das mulheres.
O Vaticano parece ser o maior opositor das políticas de saúde sexual e reprodutiva. Todas as referências a sexo, sexualidade ou planejamento familiar no documento são recusadas pela Santa Sé. Como a senhora, que é católica, vê essa posição da Igreja Católica?
MARY: Acho muito triste. No início dos anos 70, na Irlanda, eu lidava com esses temas e era criticada pela Igreja Católica. Mas eu sei que muitos dos meus amigos são cristãos, muitos são católicos, eles sabem que esse é um tema que precisa avançar. Me entristece que tenhamos esse problema no século XXI. Me entristece que haja uma guerra política de poder e que a Igreja seja parte dela. O que sabem homens celibatários sobre a vida, a saúde e as decisões de mulheres pobres?
Quais são os riscos, em sua opinião, de o documento ignorar a saúde reprodutiva e sexual feminina?
MARY: Espero que isso não aconteça porque seria irresponsável. Estamos falando sobre desenvolvimento sustentável. Temos uma Terra que está sob estresse. E sabemos que há 250 milhões de mulheres e adolescentes que querem ser responsáveis e ter oportunidade de criar seus filhos e viver melhor. Quando falo com líderes de países em desenvolvimento, eles têm graves problemas por conta do estresse sobre suas populações. E todos compartilham a mesma ideia: precisamos, nos nossos termos, de nossa maneira, ter (políticas de planejamento familiar e saúde reprodutiva). Mas precisamos de apoio, especialmente de instrumentos internacionais como este, da Rio+20.
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