segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Historiadora critica a obsessão pela beleza


Entrevista

Em meio à massa de corpos delineados pelo bisturi, uma voz reivindica o equilíbrio entre a vaidade e o bom-senso

Publicado em 08/12/2011
Reportagem: Raphaela de C. Mello - Edição: MdeMulher
Conteúdo do site BONS FLUIDOS

Mary del Priore
Mary Del Priore é historiadora
Foto: Reprodução/BONS FLUIDOS

Sim, ela é vaidosa. Mas vacinada contra a epidemia coletiva que anda rivalizando as mulheres com seu próprio corpo. A historiadora carioca Mary Del Priore, aos 58 anos, acaba de lançar seu 29º livro - "Histórias Íntimas: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil" (Planeta), fruto de dez anos de pesquisas em bibliotecas, museus e veículos de comunicação.

"Em Corpo a Corpo com a Mulher - Pequena História das Transformações do Corpo Feminino no Brasil" (Senac-São Paulo), ela desmancha um vespeiro: a ditadura da beleza. Justamente o tema da esclarecedora conversa que você acompanha a seguir:

Quando se iniciou a busca insana, pelo corpo perfeito? Que forças atuaram e ainda atuam nessa direção?
MDP
 - Há quem diga que o século 20 inventou o corpo. Corpo novo e exibido. Mas, também, um corpo íntimo e sexuado que, lentamente, veria afrouxar as disciplinas do passado em benefício do prazer. Desde o início do período, multiplicaram-se os ginásios, os professores de ginástica, os manuais de medicina que chamavam a atenção para as vantagens físicas e morais dos exercícios. O lazer - graças aos teatros, às festas públicas, aos feriados ao sol e mar - incentivou novas formas de exibir as formas. O esporte, cinema e dança foram manifestações primordiais no nascimento da sociedade do espetáculo. Moda, cartazes e luminosos de propaganda já anunciavam a moderna linguagem da publicidade e da comunicação. A fotografia, por sua vez, permitiu a contemplação da própria imagem. Nas revistas voltadas ao público feminino, multiplicaram-se os anúncios de produtos de incentivo ao narcisismo.

A psicanalista inglesa Susie Orbach, que estuda a obsessão pela forma física, afirma que vivemos uma regressão da emancipação feminina, uma vez que não somos livres para desfrutar o próprio corpo. Você concorda?
MDP
 - Concordo, sim. Esse é um fenômeno da modernidade. Se hoje a aparência saudável é um critério de beleza irredutível, no passado os cânones variavam. Basta pensar nas gordas pintadas por Rembrandt, ou nas românticas que, no século 19, aplicavam sangue de galinha no rosto para acentuar a palidez.

Você é uma mulher bonita e bem cuidada, além de intelectual reconhecida no Brasil e no exterior. Como lida no dia a dia com as demandas estéticas?
MDP
 - Moro em uma chácara, em área rural, onde não existem muitos recursos. Mas, uma vez por semana, vou até a cidade mais próxima, onde encontro a esteticista e faço drenagem linfática. Dou muita atenção à boa alimentação e ao sono. Não fumo e faço caminhadas diárias. Uso cremes nacionais, mais fáceis de encontrar e adaptados ao nosso clima. Fujo do sol e uso protetor. Envelhecer parece ser vergonhoso. Não é à toa que o cirurgião plástico Ivo Pitanguy, em recente congresso, fez uma palestra sobre a dignidade da passagem do tempo.

Como você define a fronteira entre a vaidade saudável e a obsessão pela aparência?
MDP
 - A vaidade saudável é baseada na aceitação da passagem do tempo e em uma relação digna e natural com a perda. A obsessiva está ligada a uma prisão: aquela do olhar masculino. De um jeito ignorante, as obsessivas acreditam que só o corpo pode fala linguagem da sedução.

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