sexta-feira, 10 de junho de 2011

Pornô à brasileira

Pornô à brasileira
Publicado em 10 de junho de 2011
No Brasil, a indústria da pornografia mescla transgressão e estereótipos

Em "Nas Redes do Sexo", a antropóloga colombiana María Elvira Díaz-Benítez registra a primeira pesquisa sobre pornografia no Brasil

Embora se alimente de tudo aquilo que significa transgressão no território dos prazeres eróticos, a estética do cinema pornô brasileiro é conservadora quanto à questão do gênero, valorizando o machismo, a mulher-objeto e reafirmando estereótipos diversos no campo da sexualidade. A conclusão é da antropóloga social colombiana María Elvira Díaz-Benítez, pesquisadora do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, no livro de sua autoria "Nas Redes do Sexo - Os bastidores do pornô brasileiro" (Zahar). A autora realizou seu estudo tendo por base a "observação participante", método antropológico no qual o pesquisador convive com as pessoas envolvidas, participando de seu cotidiano.

Desde o Renascimento, segundo ressalta María Elvira, eram feitas representações de sexo explícito que feriam o pudor dos puritanos de plantão. Posteriormente, no século XVII, o ousado Marquês de Sade abalou a filosofia e a sociedade com suas atitudes e descrições literárias consideradas "obscenas". Mas se essa antiga produção erótica tinha como objetivo criticar as principais instituições sociopolíticas da época (igreja, nobreza, forças militares, burguesia, ou até mesmo o povo), tal procedimento hoje se transformou no consumo da obscenidade modernizada, que tem o sexo como um produto e o prazer como uma mercadoria em si, tudo unido a certo alheamento das questões políticas. A pornografia renasceu sob o viés da cultura de massa e do entretenimento.

A trajetória mais recente desse tipo de indústria teve início no Brasil ao despontar dos anos 1980, com o declínio das chamadas pornochanchadas cinematográficas, que não apresentavam cenas de sexo explícito. No início, os filmes pornôs ainda mostravam esboços de uma trama narrativa, mas na atualidade adotam a "estética" de influência estadunidense e eliminam o enredo, limitando-se somente a mostrar cenas de relações sexuais.

Categorias definidas

Existem três tipos de filmes pornôs com o objetivo de atender aos distintos mercados: heterossexual, gay e travesti. Recrutadores especializados no aliciamento de novos atores, em meio à frenética rotina de substituição e sede de novidades que é uma das características do gênero, visam em primeiro lugar às mulheres, em seguida aos rapazes e, em menor escala, aos travestis ou "she-males" (como a categoria é chamada no mercado internacional).

Os homens seriam facilmente recrutados nas ruas e praças de badalação das metrópoles, bem como em cinemas, saunas e sites de "acompanhantes". Já as mulheres são de mais difícil acesso, segundo a autora. Mesmo quando exercendo a prostituição, geralmente elas não querem ser vistas como vulgares ou promíscuas, nem excluídas de vagos conceitos e paradigmas sobre qual seria o correto comportamento sexual e social do sexo feminino. Por isso, há na indústria pornográfica certo "comodismo" quanto ao recrutamento de rapazes, numa atitude diametralmente oposta à aceleração constante em busca de mulheres.

Durante as filmagens, é estabelecido um clima de pretensa seriedade profissional: atores que assediam as atrizes fora do contexto das cenas, ou lhes dirigem comentários considerados agressivos e indecorosos, são eliminados pelos produtores e logo ganham a má fama no circuito.

Signos e fetiches

Existem signos de grande relevância no cinema pornô, dentro de um tipo específico de estética associada à sedução. Peças íntimas de tamanho mínimo, ligas femininas, botas e sapatos de salto alto figuram entre os principais exemplos de fetiches apreciados pelo público masculino. Tais peças representam exemplares de clichês do universo "kitsch", os quais se instituíram socialmente como provocadores de excitantes fantasias. No âmbito do cinema pornô, elas contribuem para a incorporação da "figura dramática".

Outra preferência dos brasileiros é o sexo entre mulheres brancas e homens negros, nos quais se procura enfatizar "o excesso libidinal, a sexualidade incontrolável, as proezas eróticas, o exotismo e as aberrações genitais que têm caracterizado as formas como são historicamente representados o corpo e a sexualidade da raça negra, associando-a à bestialidade".

Vários produtores nacionais sustentam suas principais redes internacionais de distribuição e venda graças ao mercado do fetiche, enquanto a produção tida como "normal" é basicamente comercializada no Brasil. Afirma a antropóloga que a grande vantagem fornecida por esse segmento alternativo reside na abrangência da demanda existente quanto ao fetiche e na heterogeneidade da oferta no que diz respeito a temáticas, práticas e estilos. Países como a Holanda, Suécia, Hungria, Alemanha, Itália e Inglaterra consomem bastante as produções protagonizadas por mulheres gordas, idosas, grávidas, ou participantes de cenas escatológicas e de zoofilia. São os chamados filmes bizarros, que não têm muita receptividade no mercado brasileiro.

Um detalhe a observar é que os espectadores habituais não conseguem projetar-se nas imagens pornográficas feitas com a linguagem visual do cinema comum, porque esta os distancia da situação narrada. O sexo precisa ser apresentado na tela de maneira minuciosa, dando a ideia de que a cena pertence a um universo imediato e real. Como diz o sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard, "no pornô em si, o fundamental é a alucinação do detalhe".

Famosos em cena

Um impacto recente na indústria do cinema pornô brasileiro foi causado pela adesão de nomes conhecidos da mídia, mas já com a carreira em declínio. Alexandre Frota, ex-ator da Rede Globo e ex-marido de Cláudia Raia, foi o pioneiro desse novo mercado, seguido pela antiga "chacrete" Rita Cadillac, Matheus Carrieri, Gretchen e sua filha Tammy, Leila Lopes e Marcelo Ribeiro, que contracenou famosa cena erótica, aos 12 anos de idade, com a apresentadora de TV Xuxa, no filme "Amor Estranho Amor", de Walter Hugo Khoury. Essas presenças têm rendido lucros bastante significativos, em produções que costumam superar os orçamentos tradicionais do pornô nacional.

Estima-se que o lucro anual advindo da pornografia atinge US$ 10 bilhões nos EUA e 350 milhões de dólares no Brasil, o que representa um volume de dinheiro considerável na economia de ambos os países. Mas a construção de uma carreira profissional sólida dentro da área é bastante difícil, em decorrência de diversos fatores, sendo a principal delas de ordem estrutural: a necessidade de renovação dos elencos, exigida pelo público consumidor. Esse movimento ininterrupto dificulta uma permanência prolongada no mercado. Alguns diretores chegam mesmo a dizer que "o tempo de vida" de um ator ou atriz pornô não supera 40 cenas. Embora os famosos como Alexandre Frota e Rita Cadillac cobrem cachês elevados, os desconhecidos e novatos recebem, por cena filmada, entre R$ 300 e 1 mil, dependendo dos dotes físicos e da performance.

Sonho de liberdade

Entre os atores entrevistados e analisados por María Elvira Díaz-Benítez, ela encontrou, com frequência, o que considera um surpreendente item, digno de registro. Muitos deles perseguem apenas "uma aventura": o desejo de viver experiências inexistentes em suas cidades de origem, geralmente interioranas, e de transitar por ambientes nos quais possam expressar suas subjetividades e opções sexuais com menos constrangimento.

Ao trocarem suas pequenas cidades natais pelo Rio ou por São Paulo, inúmeros jovens estão numa busca intensa de liberdade, tanto para experimentar estilos de vida que afrontam as normas sociais tradicionais quanto pela possibilidade de transitar por diversos domínios, manipulando de forma eficaz as apresentações de seu verdadeiro "eu". A cidade grande lhes permite um anonimato relativo, ou, segundo Robert Park, "um mosaico de pequenos mundos que se tocam, mas não se interpenetram". Nesse contexto, no qual o mundo do pornô assume função destacada, existe uma bem maior abertura para pessoas provenientes de universos altamente estigmatizados.

Fique por dentro
Sexo na cidade

Somente no Centro de Fortaleza existem mais de 20 salas exibidoras de vídeos pornôs, algumas delas funcionando 24 horas por dia e recebendo um público masculino bastante eclético, onde se encontram representantes dos mais diversos segmentos sociais citadinos, do vendedor ambulante a executivos e profissionais graduados. Os nomes dos locais exibidores geralmente apresentam apelos eróticos, tais como "Tentação", "Sedução", "Eros", "Êxtase", "Sexy", "Ponto de Encontro". Os mais frequentados, por contarem com o recurso de telões, bar privativo e ar condicionado, são o "Star" e o "Majestick". No popular "Betão", são comuns as festas temáticas promovidas por jovens residentes nas áreas nobres de Fortaleza e ávidos de curtir, como está em moda nas grandes metrópoles, o lado "underground" da cidade.

JOSÉ AUGUSTO LOPES
REPÓRTER
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=994766

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