Orgulho de macho
Marcus Vinicius Batista
Os políticos brasileiros adoram fazer escola, deixar um legado de sua passagem pelos parlamentos e governos. O auge se dá quando seus nomes se transformam em conceitos para definir uma postura pública, como o getulismo e o malufismo. Não é o caso do vereador paulistano Carlos Apolinário, camaleão na política, vira-casaca de várias legendas. Mas ele será nota de rodapé da história por uma das maiores imbecilidades legislativas: a criação do Dia do Orgulho Heterossexual.
O projeto, aprovado por 31 vereadores-cúmplices, depende da canetada do prefeito Gilberto Kassab. O prefeito, aliás, reforçou a imagem de alguém que governa de costas para a cidade e para os comportamentos sociais que pulsam dentro dela. Para o prefeito, data como essa equivale ao Dia do Médico e ao Dia do Professor e jamais seria um estímulo à homofobia.
O projeto de Apolinário, que estabelece a “comemoração” no terceiro domingo de setembro, influenciou outro aventureiro com mandato. O vereador Ciro Moura apresentou proposta semelhante em Fortaleza, no Ceará. Deputados federais falaram sobre a importância de um projeto semelhante em âmbito nacional.
O Dia do Orgulho Heterossexual é uma aberração social e cultural. Homofobia é exercício cotidiano, em um país com ranços machistas. Os casos de violência contra gays e contra mulheres se acumulam nas delegacias. A discriminação em inúmeros ambientes sociais é evidente por mais que se arrumem desculpas esfarrapadas para eliminar o outro do convívio.
O Dia do Orgulho Heterrossexual não tem razão de existir. Grupos que compõem maioria na sociedade não necessitam de datas comemorativas, que funcionam e se mantém vivas como regime de exceção. O grupo dominante perpetua seu poder no dia-a-dia e uma data de celebração apenas serve para reforçar o preconceito. Por outro lado, expõe a existência do controle e da opressão sobre quem pensa ou age de maneira diferente. Mas não modifica ou ameniza o quadro de violência, seja psicológica ou física. Pelo contrário, pode até estimular comportamentos intolerantes, protegidos por uma impunidade real, antes apenas uma sensação.
A discussão sobre homossexualidade ganhou contornos políticos, o que - de certa forma – gera ressonância positiva. O assunto, antes trancafiado em armários ou sob pacto de silêncio, passa a fazer parte das rodas de conversas e da agenda de muitas instituições. O preconceituoso não pode mais se esquivar do tema. Ou tira a máscara, como fizeram muitos políticos, ou se cala, com a decisão consciente de que um novo cenário se desenha à porta dele.
O problema é que a sexualidade brasileira, transformada em debate público, aparece impregnada de moral religiosa, em larga medida moralismo de segunda mão. O vereador paulistano, inventor do Dia do Orgulho Heterossexual, pertence à bancada da bíblia, grupo apartidário, de várias religiões e amigo do poder, que se alimenta da desinformação de eleitores impregnados por uma fé cega e excludente por natureza.
Esta parcela da classe política, sanguessuga de ideias ultrapassadas, mistura moral religiosa, que distorce inclusive os textos originais bíblicos, com assuntos laicos. Religião e política assumiram o relacionamento afetivo. Na última eleição para presidente, aborto virou prioridade nacional e, em momento algum, foi tratado como pauta de saúde pública. A retórica eleitoral ignorou milhares de mulheres que morrem em clínicas clandestinas.
Projetos como os dos vereadores de São Paulo e Fortaleza atendem a facção mais atrasada de um país que se considera civilizado. Se a lógica de raciocínio persistir, poderemos ter – em breve – vereadores ou deputados propondo o Dia da Consciência Branca e o Dia do Homem. Quem sabe o Dia do Homem Branco? O kit-preconceito ficaria completo. Muita gente adoraria.
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