Traição virtual
Sites de relacionamentos especializados em traição chegam ao Brasil e causam polêmica
PorIlana Ramos
29/08/2011
Mulher casada, 48 anos: "Quero conhecer uma pessoa que goste de sexo sem compromisso apenas por prazer e que esteja disposta transar gostoso com discrição e muito sigilo, pois sou bem casada".
Homem casado, sem idade: "Quero conhecer mulheres interessantes, quentes, independentes, de bem com a vida que desejam realmente sair da rotina para fazer algo bem legal, por um dia, por algumas horas, sei lá, resumindo: quero conhecer mulheres que só queiram dar uma puladinha na cerca".
Os depoimentos citados acima foram anonimamente postados em um dos vários sites especializados na formação de relacionamentos extraconjugais e que estão chegando com força total ao Brasil. A proposta deles é bem simples: são redes sociais elaboradas para pessoas casadas que buscam um ambiente seguro e discreto para suas aventuras fora do casamento. Essa nova moda, no entanto, não é bem vista aos olhos de alguns especialistas brasileiros.
Até 2004, cometer adultério estava no Código Penal no artigo 240 e poderia levar o traidor a uma pena de 15 dias a seis meses de cadeia. Mas em 2005, o artigo foi revogado pela Lei 11.106 e o adultério deixou de ser crime. Para a psicóloga e psicoterapeuta familiar membro da Associação Brasileira de Terapia Familiar (ABRATEF) Sabrina Dotto Billo, "é assustador pensarmos assim enquanto sociedade monogâmica, pois é como se estivéssemos autorizando a traição. Particularmente não concordo e nem discordo (com esses sites). Como relacionamentos virtuais são relativamente novos, não sabemos ao certo se os casais percebem como traição um flerte sem contato físico. Pela minha experiência clínica, que não pode ser generalizada, as mulheres, de forma geral, acreditam que dividir intimidade com outra pessoa, ainda que de forma virtual, já é uma traição. Se o usuário desses sites não joga limpo com a esposa, parece jogar com suas paqueras do site, deixando claro qual é sua proposta, evitando falsas expectativas e frustrações".
Algumas pessoas ainda podem afirmar que a traição pode ser uma opção ao divórcio, uma maneira de suprir as falhas do casamento evitando a separação. O psicólogo e terapeuta de casal Antônio Carlos Alves de Araújo, no entanto, discorda totalmente dessa ideia. "Isso era uma tese dos anos 1970, que tentava colocar a questão do caso extraconjugal como uma saída do cansaço de um relacionamento comum. Mas isso não faz sentido nenhum. É por dizerem que a traição salva casamento que vemos as estatísticas de cerca de 70% dos casamentos não serem fiéis. Esses sites expõem a perversão sexual", diz ele. Já Sabrina argumenta dizendo que "nós (terapeutas de casal) sabemos que muitas vezes é um (a) amante que mantém um casamento, e o término com quaisquer dessas relações arruína a outra. É importante salientar que, por mais que uma relação extraconjugal, de fato, possa manter um casamento, o discurso não é uma apologia à traição, pois sabemos que a quebra de confiança pode criar feridas profundas e ser fatal em um relacionamento".
A imagem do Brasil no exterior é conhecida pela sensualidade do carnaval, do samba, da mulata de biquíni na praia. Será que o nosso país é, de fato, "traidor"? "Totalmente, um dos maiores do mundo. Se for feita uma pesquisa, não sei se perdemos. Talvez fiquemos lado a lado com os americanos nesse quesito. Esses sites vêm pra cá porque sabem disso", argumenta Antônio. Para Sabrina, "a única afirmação que posso fazer é que os brasileiros realizaram muitos cadastros nesses sites, grande parte investindo dinheiro para isso. Essa atitude surpreendeu até os idealizadores dos serviços, que iniciaram as atividades há pouco tempo. Cientificamente desconheço qualquer pesquisa que afirme haver mais traições aqui que em outros locais".
Para Antônio, a "comercialização" da traição é um tema que preocupa bastante. "Cada um coloca a proposta que quiser, não podemos criar uma censura. O que fica duvidoso é que ninguém toca no 'porquê' de acontecer tudo isso. Acredito que isso existe por causa da ambição. O que antes era um consumismo materialista passou pro lado sexual. É a ambição que está por traz da traição pois hoje as pessoas sempre querem algo melhor do que têm, se tornaram extremamente ambiciosas. A solução para isso estariam nos setores psicológico, político e cultural, mas ninguém está disposto a realizar um grupo de estudos ou promover debates sobre isso", conclui.
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